sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Aula 1. História, “ciência dos homens e mulheres no tempo” ou “a arte de inventar o passado”?


UFF/CEG/ICHF

Métodos e Técnicas de Pesquisa em História.
Profª.: Ana Maria Mauad.
Aula 1.
História, “ciência dos homens e mulheres no tempo” ou “a arte de inventar o passado”?
META DA AULA
Nesta aula, vamos identificar o estatuto de conhecimento atribuído atualmente à  História através da apresentação das posições contemporâneas do debate sobre teoria social.
OBJETIVOS
Após o estudo do conteúdo desta aula, você deverá ser  capaz de:
1. Caracterizar as duas posições epistemológicas que polarizam o debate histórico atual: o paradigma iluminista e pós-moderno.
2. Reconhecer o estatuto da História como forma de conhecimento  nos séculos XX e XXI
3. Identificar as posições no debate sobre o realismo histórico.
 
Introdução:
O que fazem os profissionais de História quando se debruçam sobre o passado em busca de conhecimento? O que difere essa atividade daquela realizada pelo  jornalista que escreve uma matéria sobre a vinda da família real portuguesa em 1808 ou ainda investiga sobre um tema da história do tempo presente? Além disso, o que concede identidade ao trabalho do historiador em relação ao trabalho do autor de ficção interessado em romances históricos?
A História nos últimos vinte anos tem atingido um público cada vez mais amplo, motivado pela publicação de obras, nem sempre escrita por profissionais do área. Além de um conjunto de produções da cultura da mídia, como filmes, novelas e minisséries voltadas para temáticas históricas. O passado está na moda? É mais uma onda de nostalgia? Ou, ao contrário, emerge na sociedade brasileira a importância de se entender o passado e de se valorizar as memórias de todos aqueles que fizeram história, mas não a escreveram?
Sem dúvida alguma, no final do século XX, assistiu-se ao crescimento da importância do tema da memória e dos usos do passado, ambos associados à consolidação do regime democrático brasileiro. O dever de lembrar e de não esquecer fomenta o investimento cada vez maior na organização de arquivos, centros de memória e projetos de caráter histórico. Entretanto, a reconfiguração de formas de escrever a história e a ampliação significativa da noção de registro histórico colocam desafios importantes à prática historiadora associados aos objetivos dessa atividade e aos compromissos éticos e sociais da disciplina.
Esta aula volta-se para a discussão do regime de historicidade contemporâneo (Hartog, 2008), buscando identificar suas principais características, bem como reconhecer os princípios teóricos que regem o trabalho em História hoje.
1) Entre a arte e a ciência: um falso debate?
A pergunta que integra o título da aula de hoje, aponta para um importante debate que, em certa medida, polariza o campo dos estudos históricos no novo milênio.
A pergunta integra o debate entre os paradigmas rivais (Cardoso 1997), a saber: o iluminista, ou moderno e o pós-moderno. De um lado, o paradigma iluminista se caracterizaria por uma escrita da História que se pretende científica e racional, tendo como ponto de partida para a produção do conhecimento um raciocínio que se orienta segundo a formulação de hipóteses. Dentro do paradigma iluminista, a pesquisa histórica volta-se  para a elaboração de um método de explicação do passado que seja inteligível segundo às normas do pensamento racional, descartando tudo que tivesse a ver com o acaso e o subjetivo. Associam-se a esse paradigma as grandes teorias sociais do século XX, tais como: marxismo, weberianismo e algumas vertentes do estruturalismo.
Verbete
Segundo o Dicionário Aurélio, paradigma significa modelo ou padrão. Na teoria da ciência, o termo foi utilizado por Thomas Khum para designar “as realizações científicas (por exemplo, a dinâmica de Newton ou  a química de Lavoisier) que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução de problemas por ela suscitados”.
(Dicionário Aurélio, versão eletrônica)
Fim do verbete
verbete
Hipótese - Suposição que orienta uma investigação por antecipar características prováveis do objeto investigado e que vale, quer pela confirmação dessas características, quer pelo encontro de novos caminhos de investigação.
(Dicionário Aurélio, versão eletrônica)
fim do verbete
Do outro lado do campo de debate, encontra-se o que Cardoso denominou de “paradigma pós-moderno”. Este tem como característica básica uma crítica radical às chamadas “grandes narrativas”, ou seja, a idéia de que a história humana seria única e seguiria um único sentido rumo ao futuro, que poderia ser do progresso ou ainda da sociedade sem classes. Os historiadores dessas “grandes narrativas” (hist. tradicional) defendiam a idéia de que a História era um conhecimento semelhante à literatura, pois se apoiava na interpretação de textos que o passado deixa como rastro no presente. Nessa perspectiva de história, não havia a possibilidade de um conhecimento verdadeiro, pois os testemunhos do passado seriam sempre mediados pela subjetividade de quem os produziu. Assim, da mesma forma que qualquer outro autor o historiador também inventaria o passado.
Esses paradigmas – o moderno e o pós-moderno -  foram colocados em confronto, revelando posições muitas vezes inconciliáveis dentro da “oficina da História”, para usar a expressão cunhada pelo historiador francês François Furet (s/d). Aliás, a própria idéia de oficina já implica que dentro dela algo é fabricado – a história, o passado, ou ambos?
A situação que emerge dentro da prática historiadora a partir da crise da noção de progresso e da emergência de novos sujeitos na cena pública, desde os anos 1960 reconfigurou a forma como o conhecimento histórico tem sido produzido e ensinado. As diferentes respostas dadas aos desafios colocados à produção do conhecimento histórico  pela crítica pós-moderna não transformaram a história em um conhecimento descomprometido com a prática social. Ao contrário, a História, na busca de respostas que as demandas sociais suscitam,  atualizou seus princípios epistemológicos, aproximando-se dos sujeitos sociais através de suas práticas e representações (Chartier, 2002).
Atividade 1
Relacione as palavras-chave às duas posições do debate em torno dos paradigmas rivais: iluminista e pós-moderno. Depois escreva um texto, utilizando as palavras-chave, para definir cada um dos paradigmas.
Hipótese; narrativa; discurso; explicação; invenção; racionalismo; ficcionalização; compreensão; realismo; verdade histórica, “grandes narrativas”.
2) Da objetividade Cientificista ao desafio pós-moderno.
Segundo Jacques Le Goff,  a concepção dominante de História, do Renascimento às Luzes, foi a concepção de história exemplar, didática. O próprio método usado baseava-se em lugares comuns tirados dos estóicos, e historiadores romanos. A história proposta pelos filósofos das Luzes, que se esforçaram por torná-la racional, aberta às idéias de civilização e de progresso, não substituiu a concepção de História exemplar, e a História ficou de fora da grande revolução científica dos séculos XVII e XVIII, mantendo-se como “mestra da vida” e  “colecionadora de exemplos”, através da lógica do antiquarismo.
No fim do século XVIII e início do XIX, universitários que não precisavam se preocupar com o público para quem a história era uma ciência ética, transformaram a história numa matéria de profissionais e especialistas. A luta entre o historiador antiquário e o historiador filósofo, acabou com a vitória do erudito sobre o filósofo. Já em 1815, Savigny dissera: “A História não é apenas uma coleção de exemplos, mas a única via para o conhecimento verdadeiro da nossa condição específica” (Apud Le Goff, 1985, p.204). A declaração mais clara é a de Ranke, que ficou célebre: “Atribui-se à história a função de julgar o passado e instruir o presente para ser útil ao futuro; a minha tentativa não pretende ter tão gigantescas funções, mas apenas mostrar como as coisas foram realmente” (Apud Le Goff, 1985, p. 204)
verbete
O Antiquarismo foi um movimento característico dos séculos XVI e XVII voltado para a composição de coleções de documentos e objetos antigos. O papel do movimento antiquário foi fundamental para a definição das regras de certificação da veracidade dos documentos, ajudando a consolidar a noção de documento histórico como prova. Dentre os principais representantes dessa corrente histórica está D. Mabillion, autor da obra “De Re Diplomatica” (1681), responsável pela delimitação do trabalho de crítica histórica.
Fim do verbete
Ao longo do século XIX, manteve-se a tradição clássica na historiografia ocidental. Nesse sentido, apesar de ter sido no século XIX que a História se institucionalizou, entrando para as cátedras universitárias, preservou-se na pesquisa e escrita da História alguns pressupostos da tradição Grega a clássica remontando a Tucídides na sua distinção entre Mito e Verdade e na noção de que toda a história é uma narração de acontecimentos.
No século XIX, a História era creditada como uma ciência objetiva que lidava com pessoas e culturas concretas no tempo. A definição da História como uma disciplina científica implicou na distinção clara entre discurso científico e discurso literário, entre historiadores profissionais e amadores.
O problema é que, mesmo dentro dessa antiga tradição, a história se materializava através de um discurso narrativo que, ao mesmo tempo que provinha de fatos e evidências empíricas válidas, necessitava, na sua construção, de elementos da imaginação do próprio historiador,  (Albuquerque, 2007). Portanto, elementos ficcionais entrariam na narrativa histórica de qualquer forma.
Para superar esse perigo, os historiadores do século XIX, ancorados nos pressupostos de busca incansável da verdade objetiva, dividiam com Leopold Von Ranke três assunções básicas que estariam presentes na tradição ocidental, de Tucídides à Gibbon:
(a)Teoria da verdade calcada na crença de que a história opera com pessoas reais e com ações que realmente aconteceram num tempo e lugar determinados.
(b) O objetivo precípuo do historiador seria o de desvendar as intenções dos atores históricos no sentido de compor um relato coerente.
(c) trabalhavam com uma noção de tempo seqüencial.
Racionalidade, intencionalidade e seqüência temporal determinaram a estrutura da escrita da história, desde Heródoto e Tucídides, passando por Ranke e chegando ao século XX.
3) A escrita da História no século XX.
A historiografia do século XX esteve balizada pela transformação da história-narrativa tradicional em uma história calcada na orientação das Ciências Sociais, ou seja, baseada em conceitos e teorias sociais que forneciam (à História) um princípio de explicação da organização e dinâmica das sociedades no tempo.
As variadas orientações das Ciências Sociais foram incorporadas pelos estudos históricos de forma distinta e em consonância com as demandas teórico-metodológicas de cada abordagem, englobando desde as tendências da sociologia quantitativa, as abordagens econômicas e estruturalistas da Escola dos Annales  até as teorias de orientação marxista.
Entretanto, todas essas abordagens tinham no seu horizonte o modelo de Ciência calcado nas Ciências Naturais. Com isso, substituíram o foco dos indivíduos e suas intenções, tal como a tradição impunha, para as estruturas sociais e os processos de mudança social.
Apesar da predominância do modelo de explicação baseado na busca de leis e regularidades da ação humana, essas abordagens continuaram dividindo com a tradição oitocentista duas noções-chave:
1) A história lida com a experiência humana passada a qual os relatos e análises dos historiadores correspondem
2) A experiência passada não poderia ser atingida diretamente pelo historiador, mas através da mediação teórica dos conceitos. Apesar disso, almejamos um conhecimento objetivo.
A crítica à historiografia tradicional no século XX teve como fundamento os seguintes aspectos: crítica aos relatos dos grandes personagens e das datas marcantes; democratização da História através da inclusão de novos agentes sociais e ampliação do espectro temático da política para a sociedade como um todo; defendiam a explicação histórica não simplesmente a compreensão do passado – criticavam a história tradicional por não ser “científica o suficiente”.
No entanto, a noção de tempo manteve-se linear e contínua, tal como se a história tivesse uma direção baseada fundamentalmente nas noções iluministas de progresso e razão. A história da humanidade coincidia, ainda, com a história da civilização ocidental.
Essa tendência na prática historiadora começa a mudar a partir dos anos 1960, com a emergência na cena pública de novos agentes históricos, tomando a palavra do debate político. A experiência social rompe os muros das universidades e atinge em cheio o coração da teoria, não havendo mais como pensar a história sem considerar os sujeitos por ela responsáveis. Dessa forma, novos objetos, problemas e abordagens a partir de então foram propostos àqueles que produzem a História, dentre os quais “a história das mulheres”, da criança, do corpo, da morte, história que vem de baixo, determinada por uma renovada.
Boxe de explicação
Para saber mais sobre a renovação historiográfica dos anos 1960 e 1970 indicamos a coleção  em três volumes, “História Novos Objetos, Novos Problemas e Novas Abordagens” organizada por Pierre Nora e Jacques Le Goff. Publicada originariamente na França como o título de “Faire l’Histoire” (1974), foi traduzida no Brasil dois anos depois, tornando-se uma importante referência no estudo sobre a renovação dos estudos históricos.
Fim do Boxe de explicação
Boxe de atenção
A Escola dos Annales foi uma tendência historiográfica de proveniência francesa inaugurada em 1929, com a publicação do primeiro número da Revista dos Annales, por Marc Bloch e Lucien Febvre. Sua longevidade evidencia-se pela permanência dos princípios que nortearam a sua prática ao longo de todo o século XX, com desdobramentos para o XXI, dentre os quais destacam-se: a defesa por uma história total, ou seja, a história é o estudo das sociedades humanas no tempo; aplicação da prática da interdisciplinaridade, segundo a qual a história não possui um modelo explicativo autônomo, demandando das Ciências Sociais conceitos e modos de proceder na análise das sociedades históricas; e por fim pelo ampliação da noção de fontes históricas para o conjunto de materiais resultantes da experiência humana no tempo, não somente textos escritos (Burke, 1991).
Fim do Boxe
Atividade 2
Fustel de Coulanges foi um dos fundadores da escola histórica francesa. Em suas aulas na Universidade de Estrasburgo, defendia a proximidade do historiador aos textos escritos e afirmava: “o melhor historiador é o que se mantém mais perto dos textos, que os interpreta com mais correção, que só escreve e pensa segundo eles (apud. Le Goff, 1985, p.219). Entretanto, o responsável pelas grande obras da história da França, Fustel de Coulanges, deixava entreaberta a porta para a imaginação histórica, quando então afirmava: “quando os monumentos escritos faltam à História, ela deve pedir as línguas mortas os seus segredos e, através das suas formas e palavras, advinhar o pensamento dos homens que as falaram. A história deve prescrutar as fábulas, os mitos, os sonhos da imaginação, todas essas velhas falsidades sob as quais ela deve descobrir alguma coisa de muito real, as crenças humanas. Onde o homem passou e deixou alguma marca da sua vida e inteligência, aí está a História” (apud. Le Goff, 1985, p.219).
Portanto, mesmo falando no século XIX, tempo em que se defendia uma escrita da História eminentemente objetivista, Fustel de Coulanges já abria a possibilidade de o historiador complementar a sua leitura dos documentos com um pouco de imaginação.
Comente a reflexão de Fustel de Coulanges sobre o uso do documento na escrita da história, identificando as relações que esta estabelece com a historiografia do século XX.
10 linhas para a resposta
4) Nos anos de 1960, uma nova orientação na história: crítica à  noção de progresso.
As transformações da sociedade industrial tardia colocaram em xeque o otimismo de uma história calcada na racionalidade do progresso humano. Para muitos estudiosos, os acontecimentos dos anos de 1960 marcaram o fim da “grande narrativa” dominada pela lógica histórica do capitalismo ocidental. Assim, o Ocidente passa a ser percebido como mais uma parte do mundo, perdendo a sua supremacia histórica, ao mesmo tempo em que a modernidade perde a sua dimensão única assumindo espectros de outras partes do mundo, fundamentalmente o mundo pós-colonial.
A noção de tempo histórico que já vinha sendo redefinida pela Escola dos Annales amplia sua crítica a partir da inclusão de novos agentes sociais na narrativa histórica, na linha defendida pelo historiador marxista britânico E. P. Thompson e associada à “história que vem de baixo”
O desafio de uma “história que vem de baixo” - voltada para uma história social de todos aqueles que fizeram a história, mas não a escreveram, dentre os quais camponeses, trabalhadores urbanos, gente comum - se ampliou devido à fragmentação dos temas e objetos de estudo:história da mulher, da criança, da doença, do cotidiano, etc.
Verbete
E. P. Thompson (1924-1993), foi um historiador inglês, membro do grupo “New Left” (em português “nova esquerda”), composto por historiadores marxistas britânicos comprometidos com uma visão crítica  e renovada da abordagem marxista. Foi ativista político em movimentos pacifistas e autor de obras referenciais para a história social, dentre as quais os três volumes da “Formação da Classe operária inglesa”, editados no Brasil pela editora Paz e Terra. Sua obra exerceu e ainda exerce forte influência na historiografia brasileira contemporânea.
Fim do Verbete
O ponto alto da crítica a uma narrativa histórica unificada recai sobre a possibilidade de a História constituir um conhecimento de objetividade universal. Tal crítica repõe a discussão sobre uma divisão estrita entre discurso histórico e discurso literário. Tal crítica teve seu ponto máximo na “virada lingüística” dos anos de 1960 perpetrada pelo semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980) e reeditada nos anos de 1970 pelo historiador e crítico literário, dos Estados Unidos,  Hayden White (1928-).
De acordo com a crítica semiológica o historiador é sempre prisioneiro do seu tempo e do seu mundo, a partir dos quais ele pensa e elabora categorias de inteligibilidade, segundo a linguagem operada por esse mesmo historiador. Portanto, a língua moldaria a realidade, não somente se referindo a ela. Daí, tais autores ressaltaram o caráter literário dos textos históricos e os elementos ficcionais nele contidos, os também denominados, “efeitos do real”.
O filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), assim como o norte-americano Paul de Man (1919-1983), defendia que a linguagem fundava a realidade antes de se referir a uma realidade exterior. Dessa forma, se os historiadores trabalhavam com textos, esses os textos não necessariamente se remeteriam a um mundo lá fora, mas necessariamente ao mundo dos textos. O estatuto do realismo historiográfico, ou seja, a capacidade dos estudos históricos se referirem a processos e não somente a discursos, era colocado em questão. Aliás, a própria noção de realidade histórica era colocada em xeque, na medida em que o acesso ao passado se fazia exclusivamente por meio dos textos que o passado havia deixado no seu rastro.
A própria noção de texto foi ampliada para além dos limites do escrito, e assim, a própria cultura passou a ser lida como um grande “texto”. Dentro da perspectiva culturalista, a cultura seria uma “super linguagem” cuja expressão seriam os textos.  Por isso é que esses “textos” não tem uma única entrada; podem ser lidos de diferentes formas. Nesse sentido, o texto  independe do seu autor, na medida em que pode ser apropriado em diferentes “performances culturais”. O resultado limite dessa perspectiva é de que todo texto histórico é o resultado de um trabalho literário e deve ser julgado a partir das categorias de crítica literária.
Nesse sentido, a partir de Barthes, a crítica ao realismo histórico passa a ser vinculada à crítica da sociedade moderna e sua cultura. A distinção entre fato e ficção é rejeitada, e os valores de verdade e razão passam a ser questionados na sua dimensão absoluta de uma sociedade fragmentada em múltiplos sujeitos e locais de enunciação cultural (Bhabha, 1998).
Boxe de atenção
A crítica ao realismo histórico é realizada principalmente por áreas de estudo ligadas à crítica  literária ou ainda aos estudos dos processos de produção de sentido social, dentre as quais se destacam a semiologia, a semiótica e a lingüística, disciplinas associadas às análises da produção de sentido social, da lógica dos sistemas de significação (verbais e não verbais) e da língua modelo de apreensão  e representação da realidade social .
A chamada “virada lingüística” esteve associada à necessidade de delimitar a importância dos discursos sociais e suas formas de enunciação, como dimensões da experiência social. Nesse sentido, a crítica ao realismo histórico pressupõe que existe uma realidade separada dos discursos e das práticas de enunciação que a revelam. Essa postura epistemológica defende que o real e o discurso sobre ele integram a mesma dimensão de conhecimento. Assim, sujeitos e objetos do conhecimento fazem parte de uma mesma dimensão da atividade de conhecer, implicando em uma relação não somente subjetiva, nem somente objetiva, mas fundamentalmente intersubjetiva. Segundo tal relação, sujeito e objeto do conhecimento seriam da mesma natureza; muitas vezes o próprio sujeito assume o papel de objeto. Tal  condição implica no reconhecimento da especificidade da produção de conhecimento sobre as sociedades e sua humanidade.
Fim do boxe de atenção
5) Mais uma posição no debate sobre o realismo histórico: o novo historicismo
O chamado novo historicismo é uma vertente da teoria crítica produzida nos Estados Unidos e que tem como principal expoente o professor Stephen Greenblatt.  Segundo este autor, o objetivo do novo historicismo é analisar os objetos culturais em  relação aos processos históricos e sociais nos quais se integram. Ainda segundo Greenblatt, o novo historicismo está interessado na dimensão simbólica das práticas históricas, bem como na dimensão histórica das práticas simbólicas.
Cinco aspectos centrais caracterizam o novo historicismo: o uso repetido de particularidades históricas, a preocupação com a natureza das representações; o fascínio com a história do corpo, o enfoque aguçado sobre detalhes antes ignorados; e a análise cética da ideologia (Gallagher & Greenblatt, 2005). Além disso, dividem com a crítica literária pós-moderna os princípios de centralidade e opacidade da linguagem e  com a antropologia, a noção de cultura como uma rede de significados simbólicos.
Apesar de afiliado à virada lingüística, o novo historicismo não prega a autonomia dos textos, mas os concebe como a parte de uma complexa rede de negociações simbólicas. Dentro dessa perspectiva, o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) esclarece que o capital simbólico passa a ser a “moeda de negociação” das relações sociais.
Vale ressaltar que, na prática, o impacto do novo historicismo foi pequeno na produção dos historiadores, mas suficiente para colocar por terra a certeza presunçosa de certas práticas historiográficas. Entretanto, a  problemática do realismo histórico está longe de ser resolvida.
Posições intermediárias no debate:
O historiador francês Roger Chartier (2002) defende uma posição intemediária: ao afirmar que a  história é uma narrativa que mantém uma relação específica com a verdade, seu objetivo é reconstruir o passado que existiu através de um relato inteligível. Assim, a história se  difere de uma fábula ou de uma narrativa falsa.
Vale notar que o conceito de verdade se tornou mais complexo. O pressuposto de uma verdade absoluta de um conhecimento histórico objetivo e científico nos moldes ultrapassados das Ciências Naturais, não mais se sustenta. O que se defende, agora, é a idéia de História como uma comunidade interpretativa, uma disciplina cuja prática segue preceitos e padrões profissionais.
Validade da crítica pós-moderna e seus exageros:
Dentre as mais significativas contribuições da crítica pós-moderna aos estudos históricos, estão: a crítica noção de uma História unitária linear e movida por uma razão sobre-humana, tais como: o progresso, a luta de classes etc. Além disso, defende-se a idéia de que a história não é feita somente de continuidade, mas também de rupturas. No entanto, os críticos pós-modernos tendem a “jogar fora a água do banho junto com a criança”, negando toda e qualquer possibilidade de um relato histórico racional, mesmo admitindo-se aspectos ficcionais. Apesar do desafio pós-moderno, as práticas tradicionais em História perduram.
O pós-modernismo caracteriza  a cultura de sua época, abalada pela perda na certeza das conquistas do capitalismo avançado e bombardeada pela crítica ao modo de vida burguês, por diferentes segmentos da sociedade. Neste contexto, a História transferiu-se dos “processos e estruturas sociais” para o estudo da cultura, no sentido ampliado de “vida cotidiana”. Assim, surgem novas abordagens, cujo objetivo maior seria o de compreender as condições de produção dos sentidos e práticas culturais, e não o de propriamente explicar os motivos pelos quais os sujeitos viveram segundo certas condições sociais.
Apesar de os historiadores estarem hoje mais céticos em relação à autoridade científica da sua disciplina, continuam operando com a convicção de que lidam com um passado “real”, ou seja, com a idéia de que o passado realmente aconteceu, e de que um texto de História não é um texto de ficção. Passado não somente imaginado, apesar de acessível somente através da mediação das categorias propostas por estes mesmos historiadores, mas também construído. Essa construção demanda, métodos e abordagens que seguem uma lógica clara de investigação.
Além disso, o trabalho em história sofre a pressão de sua crescente profissionalização, fato que evidencia a tendência à especialização e à formação continuada pelos profissionais de História.  Assim, a História é uma forma de conhecimento que reivindica não somente uma metodologia associada ao uso de fontes históricas, mas uma postura crítica em relação às formas como o passado é reconstruído, levando-se em conta o seu impacto no futuro.
Para esclarecer esse argumento final, recorro, mais uma vez, as considerações de Le Goff: “No domínio da ciência, da ação social ou política, da religião ou da arte – para considerar, alguns dos domínios fundamentais - , esta presença do saber histórico é indispensável. De formas diversas, evidentemente. Cada ciência tem o seu horizonte de verdade que a história deve respeitar: a ação social ou política não deve ter a sua espontaneidade entravada pela história que já não é incompatível com a exigência de eternidade e de transcendência do religioso, nem com as pulsões da criação artística. Mas, ciência do tempo, a história é um componente indispensável de toda a atividade temporal. Mais do que sê-lo inconscientemente sob a forma de uma memória manipulada e deformada, não é melhor que o seja sob a forma de um saber falível, imperfeito, discutível, nunca totalmente inocente, mas cujas normas de verdade e condições profissionais de elaboração e exercício, permitem que se chame de científico?” (Le Goff, 1985, p.245).
Terminar com uma pergunta não quer dizer que já não tenhamos algumas respostas, não é mesmo?
Atividade 3.
O filósofo Frederic Jameson define pós-modernismo como a “pauta cultural dominante no capitalismo avançado”. Leia atentamente as considerações que este autor tece sobre a noção de  pós-modernismo:
“O pós-modernismo deve ser entendido como pauta cultural dominante do capitalismo avançado, não como uma mera descrição estilística, ou um tipo de estilo ou movimento cultural entre outros. Pretendo oferecer uma hipótese de periodização histórica, mesmo que este conceito traga sempre algo de problemático. Sustendo que toda análise cultural implica na elaboração de uma teoria sobre a periodização histórica, sem, no entanto, estabelecer uma história linear. Assim, entendo o pós-modernismo como a condição histórica da sociedade pós-industrial, como uma pauta cultural que periodiza o mundo contemporâneo. Dessa forma, o pós-modernismo é um sistema dotado de uma dinâmica totalizadora que detecta o movimento da sociedade contemporânea, como uma norma hegemônica ou como uma lógica cultural dominante. Entretanto, estou muito longe de pensar que toda a produção cultural dos nossos dias é 'pós-moderna' no sentido amplo que confiro ao termo, pois o pós-moderno é, apesar de tudo, o campo de forças no qual se abrem impulsos culturais de diferentes espécies, aquilo que Raymond Williams (2006) tem designado de formas 'residuais' e 'emergentes' de produção cultural” (Jameson, 1991).
Jameson, ao considerar o pós-modernismo como a condição histórica do capitalismo avançado, rompe com a oposição entre modernos e pós-modernos por dotar a própria pós-modernidade de um princípio racional. Na seqüência do raciocínio de Jameson,  considerando que é possível identificar nas pautas culturais comportamentos residuais, conservadores e comprometidos com uma reação a mudança e ao novo, assim como comportamentos emergentes, associados às mudanças e reconfigurações diante da inovação, como entender a natureza da crise do conhecimento histórico hoje?
10 linhas para a resposta
Resumo.
A História se caracteriza hoje por duas posições antagônicas: o paradigma moderno, ou iluminista, e o paradigma pós-moderno.
Na perspectiva das práticas historiográficas modernas, a História é uma ciência que opera com base em hipóteses racionais. A teoria serve à História como um apoio para dar sentido ao passado, que é “acessado” através do uso de documentos. A História tem como objetivo o estudo das ações humanas no tempo.
A crítica pós-moderna invalida o estatuto realista do conhecimento histórico e defende a idéia de que a História é uma invenção do historiador, que interpreta as fontes a partir de categorias elaboradas ele mesmo. Assim, não há processo histórico, pois este é somente acessível através dos textos culturais. Uma interpretação leva a outra, num processo infinito de “interpretar as interpretações”.
A posição intermediária defende a possibilidade do conhecimento histórico do passado através da interpretação dos documentos segundo critérios e conceitos estabelecidos pela comunidade de historiadores. Nesse sentido, a história seria um conhecimento em construção sempre precário e sujeito a redefinições, seja pelo impacto da descoberta de novas evidências e ou fontes históricas, seja por novos problemas que o presente sugere ao passado.
Bibliografia:
ALBUQUERQUE JR.., Durval M.de. História: a arte de inventar o passado. Bauru, SP: Edusc, 2007.
BHABHA, Homi K.O Local da Cultura, Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998
BURKE Peter, A escola dos Annales, SP, Unesp, 1991
CARDOSO, Ciro F. S. “História e paradigma rivais”, In: Domínios da história, Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1997.
CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2002
FURET, François, A oficina da História, Lisboa, Gradiva, s/d
GALLAGHNER, Catharine e GREENBLATT, Stephen. A prática do novo historicismo, Bauru: Edusc, 2005.
HARTOG, François,  Regimes de Historicidade IN: http://www.fflch.usp.br/dh/heros/excerpta/hartog/hartog.html , capturado em 1/1/2008.
IGGERS, Georg G. Historiography in the twentieth century: from scientific objectivity to the postmoderns challenge, Hanover: Wesleyan University Press, 1997
JAMESON, Frederic. El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado, Barcelona: Ediciones Paidós, 1991.
LE GOFF, J. História, IN: Einaudi vol 1: Memória- História, Lisboa: Imprensa Nacional , 1985
Sites na Internet

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