sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Aula 5. Dimensões da História: territórios, áreas e linhas de pesquisa.


UFF/CEG/ICHF

Métodos e Técnicas de Pesquisa em História.
Profª.: Ana Maria Mauad.
Aula 5.
Dimensões da História: territórios, áreas e linhas de pesquisa.
META DA AULA
Nessa aula vamos apresentar o estado atual dos campos da historiografia, delimitando  suas áreas de atuação e linhas de pesquisa
OBJETIVOS
Após o estudo do conteúdo desta aula, você deverá ser  capaz de:
1.       Caracterizar os princípios de organização do campo historiográfico na atualidade.
2.        Identificar as principais linhas de pesquisa histórica e os seus conceitos centrais.
3.       Reconhecer as principais tendências da historiografia contemporânea.
Introdução:
Estabelecer os domínios e as dimensões da história, não é tarefa fácil, pois evolve uma avaliação ampla da situação da disciplina no campo das Ciências Humanas. Tarefa que demandaria tempo e uma certa erudição já que a vocação da história é a síntese, sem perder também uma certa pretensão imperialista, como já lembrou o historiador Fernand Braudel (1986).
Das relações mais estreitas aos novos parceiros a história hoje define muito mais sua fronteira, em função de como constrói o seu objeto de estudo no tempo do que, propriamente, uma diferença de conceitos ou métodos rigidamente estabelecidos. As lições de transdisciplinaridade estenderam as fronteiras da história, demando que seus domínios sejam constantemente repensados. A própria noção de domínio já evoca uma outra, a de poder. E, nos dias de hoje, pensar no predomínio da História sobre as demais ciências humanas, é no mínimo querer combater numa luta inglória. Ficaremos, portanto, com a tentativa de evidenciar possibilidades de campos de trabalho que possuem algum tipo de identidade conceitual. Entretanto é fundamental considerar que toda a categorização implica numa escolha teórica, e que tais campos, domínios, dimensões, ou qualquer outra tentativa de estabelecer limites e fronteiras, é sempre arbitrária.
Nessa aula abordaremos a situação atual dos chamados domínios da história, em seguida  tomando como apoio o debate que orientou a redefinição da organização dos cursos de graduação em História nos anos 1990, vamos tratar da delimitação das linhas de pesquisa em História; finalmente, para dar suporte a um estudo mais aprofundado sobre os campos de análise na história hoje, nas aulas 18,19 e 20, apresentaremos um panorama da historiografia contemporânea, com as tendências de cada país e os deslocamentos de territórios, mais recentemente.
1. Campos e canteiros da História.
O título dessa parte toma de empréstimo o subtítulo (em português) do livro organizado pelos historiadores franceses Jean Boutier e Dominique Julia, Passés recomposés, publicado na França em 1995, com tradução brasileira de 1998. A coletânea de artigo conta com a participação de autores franceses e não franceses, fornecendo uma perspectiva, apesar de centrada na historiografia francesa, bastante atualizada dos debates em torno da situação da historiografia nos anos 1990, com projeções para o milênio.
Na mesma época, aqui no Brasil, foi lançada uma coletânea organizada pelos historiadores Ciro Cardoso e Ronaldo Vainfas e denominada “Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia” (1997). Essa  publicação, inteiramente composta por historiadores brasileiros, tinha como objetivo central traçar um panorama geral dos vários campos de investigação na área de História, nas décadas mais recentes, dando conta dos percursos historiográficos, dos principais conceitos e dos debates e polêmicas que se fizeram  presentes na conformação do campo de estudos históricos na atualidade.
A primeira obra, de 350 páginas,  organiza-se em cinco blocos, a saber: “1. Questões; 2. Competências; 3. Mutações; 4. Testemunho; 5. Fronteiras”. Cada um dos blocos aborda um conjunto de problemas que vai desde a questão da divulgação histórica, em publicações de grande circulação, passando pelas exigências éticas do historiador expert,  bem como pelos deslocamentos no âmbito das temáticas mais tradicionais como a história comparada; incluindo no debate o testemunho de Pierre Vilar e finalmente chegando a questão dos limites que aponta para os abalos e crises que o campo historiográfico já enfrentava em  meados dos anos 1990.
Na apresentação à obra de Boutier e Julia, o historiador brasileiro Francisco Falcon, pondera  sobre sua contribuição apontando-lhe duas características: “o caráter inovador e a visão de crise da História que dela podemos deduzir” (1998, p.16). O caráter inovador é atribuído tanto pela abertura de temas e contribuições e pelo caráter atual dos problemas apresentados, denotando uma certa juventude nas posições tomadas, segundo a avaliação de Falcon (p.17). Já em relação à perspectiva de crise, o historiador brasileiro se alonga na avaliação definindo sua posição no debate, que vale a pena apresentar pela qualidade da problematização:
“Abertura, juventude, tudo enfim se condensa num certo padrão diante da crise que hoje parece estar na cabeça de todos os historiadores, padrão este que incorpora alguns pontos consensuais: 1 -  chamemos ou não de crise a atual situação da historiografia, o fato é que problemas existem na oficina da história, embora a natureza e alcance de cada um deles e a das respostas e/ou soluções dos historiadores seja algo ainda muito problemático; 2 – a existência de tais problemas não significa necessariamente uma ameaça ou anúncio de desintegração próxima , mas antes um verdadeiro desafio, no sentido positivo, principalmente se daí resultar, para o historiador, o abandono definitivo de sua indiferença e/ou sectarismo teóricos e a aceitação da necessidade de refletir seriamente sobre o seu fazer. 3 – não há lugar, na história-disciplina, para o ceticismo ou relativismo radical. O historiador continua a ser, por definição, um realista: a matéria do conhecimento histórico é sempre a História; quer designemos a História como realidade ou como o passado, o fato aqui essencial é a sua existência real, e sua acessibilidade ao tipo de conhecimento específico e verdadeiro que chamamos de conhecimento histórico” (Boutier & Julia, 1998, p.17)
Falcon conclui a sua apresentação destacando que na pluralidade dos passados recompostos pela atividade dos historiadores, propostos pelos os colaboradores do volume, se destacam importantes aquisições, dentre as quais: “que a história seja uma escrita, que sua forma seja a narrativa, que o discurso histórico tenha tudo a ver com a retórica” (Boutier & Julia, 1998, p.18). Entretanto, isso não implica em abrir mão, de alguns princípios fundamentais da disciplina, pois:
“O decisivo é que não se perca de vista a capacidade desse discurso de dizer algo verdadeiro a respeito de uma realidade passada que constitui seu referente extradiscursivo. Logo, por mais que se pretenda o inverso, o historiador não é nem pode ser um autor de ficção, pois... o exercício de suas faculdades criativas e interpretativas está limitado pelas evidências documentais disponíveis no seu próprio tempo e lugar. É a partir dos protocolos de verdade que se identificam, em derradeira instância, a história e o historiador como tais” (Boutier & Julia, 1998, p.18)
Alinhada a perspectiva apresentada por Falcon podemos posicionar coletânea “Domínios da História”, que tem como introdução o clássico artigo de Cardoso, “História e paradigmas rivais”, no qual  o autor reafirma o princípio realista e racionalista do saber histórico. O volume está organizado em três grandes partes e conta com um conjunto diversificado de colaboradores, antenados com tendências distintas da historiografia brasileira.
Boxe de atenção
O capítulo introdutório do livro “Domínios da História” foi apresentado e trabalhado na aula nº 11 do nosso curso. Nesse capítulo, pontua-se o debate em torno do paradigma iluminista e pós-moderno, cuja orientação segue a perspectiva apresentada por Falcon.
Fim do boxe de atenção
A primeira parte, intitulada “Territórios do historiador: áreas, fronteiras e dilemas”, tem o grande mérito de mapear os grandes campos da historiografia, incluindo-se nesse panorama, a história econômica, história social, história política, história das idéias e a controvertida história cultural. Na seqüência a parte dois, “Campos de investigação e linhas de pesquisa”, orienta o debate em torno dos campos de pesquisa delimitados em torno seus recortes de objeto, incluindo-se desde a clássica história urbana à atual história das sexualidades. Por fim, na terceira parte, “Modelos teóricos e novos instrumentos metodológicos: alguns exemplos”, marcada pela diversidade de temas e tendências, faz um balanço da interdisciplinaridade dentro da análise de certos matérias, como por exemplo, a fotografia e o cinema. 
O paralelo entre as duas obras que contém nos seus títulos as noções de campo e domínio,  tem como objetivo evidenciar a presença de uma  tendência interdisciplinar no campo dos estudos históricos dentro e fora do Brasil. Entretanto, vale ressaltar que elaboração de campos conceituais dentro da história, ou ainda áreas de delimitação de uma abordagem mais cultural ou política dos fenômenos sociais, pode levar a desdobramentos opostos.
Por um lado a chamada “história em migalhas”, termo evidenciado pela obra do historiador francês François Dosse (1992) que apontava na fragmentação dos objetos de estudo das pesquisas históricas a perda da sua capacidade de síntese e de sua conseqüente despolitização. Por outro, um avanço significativo na capacidade explicativa da história, na medida em que ao multiplicar seus objetos de estudo, sofisticando suas abordagens e aproximando-se de estratégias de análise de outras disciplinas para isso, efetivamente compunha quadros teórico-metodológicos mais complexos para suas pesquisas.
Na seqüência da aula estudaremos os grandes campos da historiografia e os desafios que sua complexidade conceitual coloca para o estudo da História hoje.
Verbetes
Ronaldo Vainfas – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (1988). Professor Titular de História Moderna da UFF. Pesquisador do CNPq desde 1990 atua nas áreas de história ibero-americana e luso-brasileira entre os séculos XVI e XVIII, principalmente nos seguintes temas: inquisição, jesuítas, religiosidades, sexualidades, escravidão, colonização.
http://lattes.cnpq.br/2893624319383287
Francisco Jose Calazans Falcon - Foi professor da UFRJ, UFF e PUC-RJ. Atualmente é professor do Programa de Pós-graduação em História do Brasil da Universidade Salgado de Oliveira. É especialista em História Moderna e Contemporânea com ênfase no Mercantilismo e na Ilustração portuguesa destacando-se no período Pombalino. Desenvolve pesquisa nos seguintes temas: Historiografia brasileira, História da historiografia, História moderna e contemporânea, Historia cultural e História política.
http://lattes.cnpq.br/5018211502331040
François Dosse Historiador francês especialista em epistemologia histórica e história intelectual.
Dominique Julia – Pesquisador do CNRS (Centro de Pesquisas Históricas), antigo professor do Instituto universitário europeu (Florença), especialista em história religiosa e história da educação na época moderna.
Jean Boutier – Mestre de conferências na École des hautes études en sciences sociales (Marselha). Membro da École française de Roma, é especialista em história da Itália moderna.
Pierre Vilar – Antigo professor da Sorbonne e ex-diretor de estudos da École des Hautes Études en Sciences Sociale. Especialista em história econômica, Pierre Vilar é um estudioso dos instrumentos conceituais do ofício de historiador a partir de uma leitura a fundo da obra de Marx.
Fim dos Verbetes
2. Dimensões da História: história social e econômica; história do poder e da política; história cultural
Ao longo dos anos 1980 o departamento de História da Universidade Federal Fluminense, na qual leciono desde 1992, realizou um grande debate sobre o seu projeto pedagógico visando a incorporação das novas tendências da historiografia na formação do profissional de história. Do debate participaram professores e alunos e o resultado foi um novo projeto pedagógico implantado a partir de 1993.
Esse projeto se organizava em torno de um ciclo básico no qual as disciplinas eram organizadas segundo os campos cronológicos e geográficos, assim temos: história antiga, história medieval, história moderna e história contemporânea, mas também, história do Brasil e história da América, e futuramente, história da África. Quando os alunos entram no ciclo profissional as disciplinas passam a ser organizadas em torno de três eixos cronológicos – antiguidade e alta idade média; baixa idade média e tempos modernos e contemporânea -, e em três eixos temáticos – econômico-social; poder e idéias políticas e cultura, ideologias e mentalidades. Assim, apesar de se manter uma lógica mais tradicional no ciclo básico, no âmbito do profissional incorporava-se o debate interdisciplinar e a renovação historiográfica nas disciplinas organizadas em torno de um eixo temático segundo um corte cronológico, além das disciplinas instrumentais que municiariam o aluno com os métodos e técnicas da História.
O texto da proposta elaborado pelos historiadores Ciro Cardoso, Ronaldo Vainfas e Antônio Edmilson organizava de forma clara e objetiva, as questões relativas à forma como as dimensões da História se organizam. As considerações seguinte se apóiam no texto do projeto pedagógico que pode ser encontrado no site da UFF (http://www.historia.uff.br/graduacaoprojeto.php#2)
Uma das formulações já clássicas de que podemos derivar nossas linhas temáticas é a passagem seguinte de George Duby:
‘....a História das sociedades deve, sem dúvida, primeiro e para a comodidade da pesquisa, considerar os fenômenos em níveis distintos de análise. Que ela deixe, entretanto, de se considerar seguidora de uma História da civilização material, de uma História do poder ou de uma História das mentalidades. Sua vocação é a de síntese’ (Duby, 1971)
Teríamos, então: - nível da síntese global do social: História das sociedades;
-          Níveis distintos de análise do social:
-          1. História da civilização material;
-          2. História do Poder
-          3. História das mentalidades.
É possível tentar descaracterizar tais níveis distintos mostrando não serem de fato distintos. Afinal, nas sociedades humanas, tudo se liga a tudo. Para produzir, é preciso falar, além de que a formação social do trabalhador implica na assimilação de códigos diversos: o que quer dizer que a História das mentalidades de Duby se intromete na História da civilização material.
Ao tratar de definição das temáticas e objetos é possível proceder de modo empírico ou de modo normativo. Isto é, podem aqueles ser derivados de princípios teóricos gerais, ou da sua realização concreta compreendida através da historiografia. De fato, o mais sensato é articular ambos os modos de proceder. É sem dúvida, insensato querer sacrificar no altar da síntese os ganhos obtidos pela especialização e pela divisão do trabalho: a síntese global, ao se realizar, deve recolher os resultados das pesquisas setoriais. Mas, analogamente, a concepção e o enfoque totalizadores, sintéticos, devem estar presentes nestas pesquisas setoriais, permitindo nelas a articulação da parte com o todo.
Os cortes ou linhas temáticas têm uma história, liga-se a certas tradições presentes na historiografia contemporânea – mais antigas ou mais recentes conforme os casos. As tradições que assim se formam sedimentam-se em modelos, conceitos e modos específicos de trabalhar: devem, por tal razão, ser levados em consideração. Destarte, por exemplo, em princípio a História do quotidiano pode acabar em qualquer uma das três divisões setoriais de Duby. Mas, historicamente, ela se vincula em nosso século de forma preferencial à História da cultura, das ideologias e mentalidades. A este setor se ligam as “microfísicas” do poder à maneira de Foucault – muito mais do que uma História do poder stricto sensu (ou seja, do poder de Estado e das idéias políticas que historicamente servem em cada período para fundamentar tal poder estatal ou para opor-se a ele).
Se, com o anterior em mente, considerarmos a primeira de nossas linhas temáticas, que chamamos de História econômico-social, veremos que ela se confunde com o que Duby chama de História da civilização material. Recobrindo diversas especialidades: História Demográfica, História das Técnicas, História Econômica e História Social stricto sensu (entenda-se: não a História sintética das sociedades propostas por Bloch e Febvre, mas sim, o estudo da sociedade e dos grupos que a constituem, em suas estruturas pelo ângulo da conjuntura; ciclos e na longa duração – sobretudo a análise das estratificações e lutas sociais, quando encaradas preferencialmente do ponto de vista da distribuição da riqueza social). É óbvio que, por exemplo, em História Demográfica, os métodos anticoncepcionais têm de ser estudados historicamente em correlação com as ideologias. É, porém falso que por isto a História Demográfica careça de qualquer autonomia de fato diante da História das Idéias. Ela simplesmente usará sempre que necessário os elementos, desta última, sem por tal razão tornar-se ilegítima como especialidade.
O modo como encaramos a História Econômica é muito amplo. Assemelha-se, por tal razão, à definição da Economia Política segundo F. Engels: ‘Ciência das condições e das formas em que as diversas sociedades humanas produziram, trocaram e repartiram’ os bens e serviços, sendo que p autor esclarecia que as condições e formas de produção, troca e distribuição são intimamente ligadas entre si. Em outras palavras: não estamos partindo de uma definição de economia que se origine no conceito de um sistema econômico visto como um enorme conglomerado de mercados interdependentes – o que faria do processo de troca mercantil e da formação dos preços o fulcro da análise econômica.
No contexto da linha temática História econômico-social, entendemos social segundo a seguinte definição: ‘...estudo de grandes conjuntos, classes, os grupos sociais, as categorias sócio-profissionais’. Num sentido tanto sincrônico quanto diacrônico – ou seja, considerando também as lutas, as dinâmicas que envolvem a grupos e classes sociais, além de sua estratificação relativamente estática (mais ou menos durável) -; mas sem o intuito de privilegiar os vínculos do social assim definido com o poder de Estado ou com as ideologias. Privilegiando, pelo contrário, as ligações do social visto assim como econômico. Isto quer dizer que “o social” voltará a aparecer forçosamente nas outras linhas temáticas. Mas não significa que a questão do poder ou das ideologias sejam irrelevantes para o social que interessa ao primeiro eixo temático: é tudo uma questão de ênfase, de enfoques preferenciais, o que não exclui a priori quaisquer ilações e vínculos que se fizerem necessários à pesquisa.
A segunda linha temática se apresenta como História do poder e das idéias políticas. Como, historicamente, o estudo do poder como nela se entende foi relegado pela corrente mais influente que surgiu entre historiadores profissionais em nosso século – a dos Annales – e também pelo marxismo. Talvez seja conveniente, neste caso, partir de algo bem concreto: os tipos básicos de estudos que, segundo nos parece, incluem-se nesta Segunda linha. São eles:
1.       estudos da estrutura e pessoal de Estado da sociedade civil que interessam à análise do poder: os quais, hoje em dia, usam com freqüência a prosopografia, visando especificar o conteúdo social e outras vinculações com o governo, dos partidos, das instituições, da burocracia estatal, do exército, das igrejas etc.;
2.       estudo da ação do Estado: análise de como são tomadas as decisões, quão efetivas são as ações estatais e qual o seu alcance real, como se detectam os interesses de classe nas políticas do Estado, etc.;
3.       estudo da ação política de classe através de órgãos da sociedade civil;
4.       estudo da conjuntura política.
Prosopografia – procedimento associado ao estudo das biografias coletivas. Em geral essa metodologia é adequada ao estudo de trajetórias geracionais, quadros de partidos políticos ou ainda de blocos hegemônicos no poder.
(Ferreira, Tania Maria Tavares Bessone da Cruz. História e Prosopografia,
http://www.rj.anpuh.org/Anais/2002/Conferencias/Ferreira%20Tania%20M%20T%20B.doc.
É verdade que os pontos acima foram apontados pensando-se mais em sociedades recentes. Seja como for, o que nos interessa é uma perspectiva que possa substituir com êxito a velha narrativa político-institucional e militar, bem como superar a falsa antinomia estrutura/acontecimento. Por outro lado, parece-nos imprescindível a esta segunda linha temática a História das idéias ou concepções acerca do poder e da política.
Se a primeira linha não pode passar sem as idéias econômicas e políticas econômicas, e a segunda sem as idéias políticas, os estudos que privilegiam não só as idéias em geral como também entidades ou objetos de contornos mais amplos – cultura, imaginário, ideologia, mentalidades coletivas – são os que integram nossa terceira linha temática. A menos estruturada, talvez por estar em plena ebulição que, em poucas décadas, a fez atravessar um sem número de etapas e redefinições de prioridades.
Os filósofos franceses e alemães do século XVIII estenderam o termo cultura da agricultura para a ‘cultura da mente’. Tenderam a opor cultura (associada ao que é natural e, portanto positivo) a civilização.  ‘Cultura’ designaria os costumes específicos de cada sociedade – de cada povo- , especialmente nas zonas rurais, em contraste com o artificialismo e cosmopolitismo da ‘civilização’ – urbana por excelência. A cultura seria o locus da coesão e ética sociais, em contraste com o materialismo e o egoísmo da civilização. Seja como for, a noção antropológica moderna de cultura foi em primeiro lugar sintetizada por E.B.Taylor em 1871: ela seria uma ‘totalidade complexa que inclui conhecimento crença, arte, moral, leis, costumes, além de outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade’. Uma noção tradicionalmente holística (totalizadora) e processual (voltada para a mudança cultural e suas formas de ocorrência)
Em História, no final do século passado e nas primeiras décadas deste, tais preocupações fundamentavam duas correntes de estudos: uma história das idéias de corte filosófico e elitista, voltada para as ‘grandes correntes’ e ‘grandes pensadores’ da Filosofia, da Teologia da Política; e uma História Social interessada pelos costumes e pelo quotidiano, em especial os dos grupos dominantes e médios de cada sociedade considerada.
A renovação dos estudos históricos se deu, a partir de meados deste século, segundo três ondas sucessivas. A primeira consistiu na inversão proposta pelos Annales e pelo marxismo: interesse pelos modos de pensar o quotidiano das grandes massas populares, mais do que pelos das elites. Mas a metodologia permanecia bastante limitada em suas possibilidades: uma espécie de ‘Sociologia retrospectiva da cultura” e, desde L.Febvre, um inventário da ‘utensilagem mental’ das diferentes épocas e sociedades”.
A segunda reviravolta teve a ver, por um lado, com a Lingüística e a Antropologia estruturais, por outro lado com a análise estatística e distribucional. Isto permitiu a ênfase no vocabulário analisado  quantitativamente, nos campos semântico, e nas séries de imagens.
Por fim, sem anular as etapas anteriores, a partir dos anos 1970 e mais ainda na década seguinte, este tipo de estudos sofreu em cheio o impacto de idéias pós-estruturalistas e mais em geral da formação de um novo paradigma da História, que chamou a si mesmo de nouvelle histoire ou new history.
Na verdade, mais até do que ‘ondas’ em questão, parece-nos que o assunto central aqui é um só: descobriu-se, ao longo do século XX, a existência e a importância das programações sociais de comportamento e da função simbólica imprescindível para que os códigos e mensagens tornem efetiva tal programação. As maneiras distintas de entender o impacto desta descoberta criaram formas divergentes de encarar tanto a Antropologia quanto a História, numa perspectiva transdiciplinar.
3. Tendências da Historiografia Contemporânea.
Como já vimos nas aulas anteriores, ao longo do século XX a historiografia transformou-se significativamente, em compasso com as transformações do próprio meio social e do campo de profissionalização das Ciências Humanas. Em linhas gerais até finais dos anos 1970 as tendências historiográficas poderiam ser recortadas em termos geográficos, com linhas de força delimitadas em torno das historiografias nacionais. Entretanto, com a valorização dos fóruns e associações internacionais em torno de temas ou de áreas de estudo, configura-se a partir dos anos 1980 um movimento de trocas acadêmicas que vêm sendo fortalecidas por redes internacionais.
Boxe explicativo
A configuração de um campo historiográfico internacional pode ser avaliado através de visitas a sites específicos de associações tais como Latin American Studies Association (lasa.international.pitt.edu); Brazilian Studies Association (www.brasa.org); International Oral History Association (www.ioha.net); Corredor de las Ideas (www.corredordelasideas.org).
Fim do Boxe explicativo
Para fins, exclusivamente didáticos, organizei um panorama das principais tendências historiográficas internacionais.
Escola dos Annales.
# Inovação:
Uma boa parte dessa nova história é o produto de um pequeno grupo associado a revista dos Annales. Esta, ao longo de sua vida editorial, teve quatro títulos, que revelam as diferenças individuais existentes no interior do grupo, estes títulos foram: Annales d’histoire économique et sociale (1929-39); Annales d’histoire sociale (1939-42,45); Mélanges d’histoire sociale (1942-4); Annales: économiques, sociétés, civilizations (1946 até os dias de hoje).
# Principais nomes: O núcleo central é formado por Lucien Febvre, Marc Bloch, Fernand Braudel, Georges Duby, Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie. Próximos, mas comprometidos com uma perspectiva marxista da história estão: Ernest Labrousse, Pierre Vilar, Maurice Agulhon e Michel Vovelle.
# Idéias Centrais dos Annales:
Em primeiro lugar, a substituição da tradicional narrativa dos acontecimentos por uma história-problema.
Em segundo lugar, a história de todas as atividades humanas e não apenas a história política. Daí a revolução documental como corolário desta nova postura por uma história total.
Em terceiro lugar, a colaboração com outras disciplinas, tais como a geografia, a lingüística, a antropologia social e etc. O princípio da interdisciplinaridade.
# As gerações:
Muito mais do que uma “escola”, os Annales se caracterizam por ser um movimento que, por conseguinte possui uma historicidade, balizada por determinadas tendências predominantes.
1ª fase (1929-1945), o movimento caracterizou-se por ser pequeno, radical e subversivo, conduzindo uma guerra de guerrilhas contra a história tradicional, a história política e a história dos eventos.
2ª fase (1945-1968), depois da segunda guerra mundial os rebeldes se apoderaram do establishement histórico. Essa segunda fase do movimento, que mais se aproxima verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos (conjuntura e estrutura) e novos métodos (história serial das mudanças na longa duração) dominada pela presença de Fernand Braudel.
3ª fase (1968-), profundamente marcada pela fragmentação, com ênfase numa história socio-cultural, redescobrindo a história política e até mesmo a narrativa.
Verbete
Georges Duby – Nascido em 7 de Outubro de 1919  e morto em  3 de Dezembro de 1996, foi um historiador francês, especialista na Idade Média. Deu início à sua carreira universitária em Lyon, no ano de 1949, tendo sido posteriormente membro da Academia Francesa e professor do Collège de France entre os anos de 1970 e 1992. Foi um especialista em história medieval, lançou mais de 70 livros e coordenou coleções importantes, como a História da vida privada.
Emmanuel Le Roy Ladurie – nascido em  19 de julho de 1929 em Moutiers-en-Cinglais (Calvados), é  historiador francês especialista em idade moderna. No Brasil ficou reconhecido, pelo trabalho: Montaillou uma vila na Occitania  1294 à 1324, publicado em 1987, pela Edições 70 de Portugal, trabalho identificado por muitos como um exemplo clássico de história total
Ernest Labrousse – (1895–1988) historiador francês especializado em história econômica e social. Não era um membro estrito da tendência dos Annales por identificar-se com uma perspectiva marxista da história. No Brasil, seus trabalhos são identificados com uma história social de corte economicista.
Maurice Agulhon  - historiador francês nascido em 20 de dezembro de 1926, é considerado um dos importantes especialistas em Revolução Francesa, responsável pela renovação da historiografia revolucionária ao introduzir o estudo das estátuas e símbolos na análise da cultura política republicana.
Michel Vovelle - um dos maiores historiadores franceses contemporâneos, é professor  emérito da Universidade de Paris-I, ex-diretor do Instituto de História da Revolução.  Autor de Combates pela Revolução Francesa, Jacobinos e jacobinismo e Ideologias e  mentalidades, publicados no Brasil por diferentes editoras. 
Marxismo Britânico ou ‘New Left’.
# Os ingleses e sua revista.
1952 é fundada a Past and Present, revista organizada pelos historiadores ingleses E.P.Thompson, Christopher Hill (1948-), Eric J. Hobsbawn e Rodney Hilton (1916-2002), ligados ao partido comunista inglês e fortemente comprometidos com a prática revolucionária. Apesar de sua publicação ter sido iniciativa dos historiadores do grupo do partido comunista a Past and Present foi e ainda é uma revista aberta às contribuições de diferentes linhas teóricas. Em seu editorial inaugural estabelecia as linhas de ação que, ainda hoje, estão presentes no perfil deste periódico: “nossa principal tarefa é registrar e explicar as transformações sofridas pela sociedade no seu processo de vir a ser”. Diferenciando-se da linha funcionalista e estruturalista por estarem preocupados com a especificidade histórica da vida social, destacando-se, nesta abordagem o homem como sujeito histórico: “o homem é um agente ativo e consciente da história, não podem ser considerados como meros índices ou vítimas da História”
Verbete:
E.P.Thompson (1924-1993) – Historiador marxista inglês um dos principais fundadores da história social do Trabalho e responsável pelo epíteto “history from below”, para designar uma tendência historiográfica que se debruçava sobre a vida de quem fez a história mas não a escreveu (que será tratada mais detidamente na aula número 18).
Christopher Hill (1948-) professor de relações internacionais em Cambridge na Inglaterra.
Rodney Hilton (1916-2002) – Historiador medievalista e marxista inglês especialista na transição do feudalismo para o marxismo.
# Principais idéias.
Romper com o determinismo econômico da historiografia marxista, a partir das idéias do próprio Marx, com destaque para o texto: Contribuição à Crítica da Economia Política. Além de terem em comum esta crítica ao modelo dual de estrutura econômica e superestrutura político, econômica e social, os historiadores britânicos marxistas também dividiam problemáticas históricas comuns, tais como: a origem, expansão e desenvolvimento do capitalismo, análise das classes sociais e da luta de classes, como cerne de sua análise e por fim o comprometimento com uma “historia que vem de baixo”, tomando seriamente as experiências históricas, ações e lutas das classes populares, recobrindo o passado feita por elas, mas não escrito por elas. Daí a preocupação de tais historiadores com práticas culturais e com as tradições. A divisão de grupos entre os historiadores do Grupo ficou assim: Hilton e Hobsbawn- os camponeses; Hill e Thompson a ‘gente comum’ e Hobsbawn e Thompson a classe trabalhadora
Escola de Frankfurt.
# Origem
A escola de Frankfurt representa o conjunto de pessoas e idéias associadas ao Instituto de Pesquisa Social, fundado e afiliado à universidade de Frankfurt em 1923. Possuíam uma publicação, a revista de Pesquisa Social, que reunia sua principais idéias.
# História
Devido a sua postura crítica, em relação à sociedade em que viviam, como também a sua ampla militância política, por volta de 1933, com a ascensão do nacional-socialismo na Alemanha, o Instituto é obrigado a transferir-se para Genebra e, posteriormente, para os EUA (NY), onde permanece até 1949. Passada a guerra, retornaram a Alemanha e retomam as suas atividades de pesquisa.
# Principais nomes: Walter Benjamin, Theodore Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Jurgens Habermans.
Verbete
Walter Benjamin (1892-1940) – foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Associado com a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica, foi fortemente inspirado tanto por autores marxistas como Georg Lukács e Bertolt Brecht como pelo místico judaico Gershom Scholem. Conhecedor profundo da língua e cultura francesas, traduziu para Alemão importantes obras como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e À Procura do Tempo Perdido de Marcel Proust. O seu trabalho, combinando ideias aparentemente antagónicas do idealismo alemão, do materialismo dialéctico e do misticismo judaico, constitui um contributo original para a teoria estética. Entre as suas obras mais conhecidas contam-se A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Benjamin)
Theodore Adorno (1903-1969)– tal como Benjamin foi um ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo judeu alemão. Também associado com a Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica, era ainda músico e compositor, sendo um dos principais críticos da industria cultural, termo que criou junto com Horkheimer para designar a produção cultural no capitalismo inustrial e monopolista.
Max Horkheimer (1895-1973) – foi um filósofo e sociólogo alemão. Como grande parte dos intelectuais da Escola de Frankfurt, era judeu de origem, filho de um industrial - Moses Horkheimer -, e ele próprio estava destinado a dar continuidade aos negócios paternos. Por intermédio de seu amigo Friedrich Pollock, Horkheimer associou-se em 1923 à criação do Instituto para a Pesquisa Social, do qual foi diretor, em 1931 sucedendo o historiador austríaco Carl Grünberg.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Max_Horkheimer)
Herbert Marcuse (1898-1979) - foi um influente sociólogo e filósofo alemão naturalizado norte-americano, pertencente à Escola de Frankfurt. Em 1933, por intermédio da intervenção de Leo Lowenthal e de Kurt Riezler, Herbert Marcuse foi admitido no Instituto de Pesquisas Sociais que seria mais tarde associado à Escola de Frankfurt, que neste momento estava exilado em Genebra. Ele tentara, sem sucesso, desde 1931 entrar em uma relação mais estreita com o Instituto. Em 1934, junto com Theodor Adorno e Max Horkheimer mantém suas atividades nos EUA. Em 1950 os colaboradores do Instituto retornam à Alemanha, Marcuse decide permanecer nos EUA onde pensa, escreve e leciona até sua morte em 1979.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Herbert_Marcuse)
Jurgens Habermans  (1929-) -  é um filósofo e sociólogo alemão. Licenciou-se em 1954, com uma tese sobre Schelling (1775-1854), intitulada O Absoluto e a História. De 1956 a 1959, foi assistente de Theodor Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. No início dos anos 1960, realizou uma pesquisa empírica sobre a participação estudantil na política alemã, intitulada 'Estudante e Política' (Student und Politik). Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New School for Social Research de Nova York. A partir de 1971, dirigiu o Instituto Max Planck, em Starnberg, na Baviera. Em 1983, transferiu-se para a Universidade Johann Wolfgang von Goethe, de Frankfurt, onde permaneceu até aposentar-se, em 1994. Continua, até o presente momento, muito prolífico, publicando novos trabalhos a cada ano. Freqüentemente participa de debates e atua em jornais, como cronista político.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BCrgen_Habermas)
Fim do Verbete
# Principais idéias
O pensamento deste grupo deve ser compreendido a partir da sua vinculação com a esquerda alemã. Neste sentido, a EF, propõe a necessidade de se desenvolver uma teoria crítica do marxismo, opondo-se a todas as formas de positivismo e todas interpretações reacionárias do marxismo. Para os frankfurtianos somente uma postura aberta e contiuadamente crítica pode evitar a paralisia teórica e, por conseguinte, na prática transformar a ação social. Evidencia-se aí a forte influência exercida por Lukács na 1ª geração de Frankfurt, para este pensador a teoria é essencialmente expressão intelectual do próprio processo revolucionário. Uma influencia que alimentou a íntima relação entre teoria e prática, tão cara aos movimentos sociais da década de 60.
Propunham um retorno aos escritos do jovem Marx, aproveitando o legado filosófico de tais reflexões, para romper com o determinismo econômico que o pensamento marxista foi associado ao longo de suas leituras no século XX. Em vista disso, as reflexões desta Escola se voltam para as chamadas áreas culturais das sociedades, dentre as quais: a arte, estética, cinema, fotografia, literatura, música e uma forte crítica a sociedade de massas. É de autoria da Escola de  Frankfurt o termo Industria Cultural.
Desde os anos 1980 as tendências com recorte nacional perderam a sua operacionalidade explicativa. Até mesmo quando falamos de historiografia brasileira, temos de necessariamente, associar a essa expressão mais geral algo que a especifique, como por exemplo: historiografia brasileira sobre escravidão ou ainda a historiografia brasileira marxista, etc. Portanto, para concluir o panorama das tendências internacionais que assumem uma perspectiva transnacional, podemos indicar ao menos duas que exercem ainda forte impacto na produção historiográfica do século XX, com desdobramentos para o XXI, são elas: a nova história cultural e a micro-história.
A Nova História Cultural.
# Considerada como uma possível 4ª geração da ‘Escola dos Annales’, a Nova História Cultural, no entanto, não se limita à França, estendendo-se para a os Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Brasil, entre outros países.
Dentre os nomes de destaque encontramos: Roger Chartier, Jacques Revel, Nathalie Davis, Robert Darnton, Lynn Hunt, entre outros.
Apesar de amplamente criticada por se reconhecer, muito mais a partir dos temas com que trabalha, do que pela existência de uma unidade teórico-metodológica, a Nova História Cultural ganha cada vez mais adeptos. Na concepção dos historiadores ligados à Nova História Cultural, Roger Chartier e Jacques Revel, seus precursores “não propuseram simplesmente um novo conjunto de temas para investigação; foram além das mentalités, com o objetivo de questionar os métodos e objetivos da história em geral. Endossaram a avaliação de Foucault de que os próprios temas das Ciências Humanas - o homem, a loucura, a punição e a sexualidade, por exemplo- são produtos de formações discursivas historicamente contingentes”. Mas se tudo é cultura como identificá-la? Como avaliar a relação entre cultura e o universo social?
A resposta à tais questões levou com que a NHC se aproximasse da Antropologia, para o desenvolvimento de uma abordagem histórica a partir de um conceito de cultura que buscasse a interpretação das práticas e representações sociais. A idéia de interpretação aproximou a NHC da teoria literária e da linguística, tomando suas análises como modelos de ação metodológica. Nesse sentido as práticas sociais são consideradas como textos passíveis de serem lidos e interpretados de forma crítica.
Verbete
Sobre a Micro-história
A micro-história é identificada como sendo uma prática historiográfica de origem italiana, no entanto, um dos seus principais autores, Carlo Ginzburg (2007), em texto recente, “Micro-história: duas ou três coisas que sei a respeito”, identifica  várias origens para essa prática. No que pese a importância de tais origens, ficaremos com a exposição de princípios feita por outro autor italiano, Giovani Levi, em seu texto “Sobre Micro-história”(1992).
Verbete
Giovani Levi –nasceu em 29 de abril de 1939 em Milão, Itália. Coniserado junto com Carlo Ginzburg como fundadores da Microhistoria Italiana. Giovanni Levi trabalhou como professor de Historia moderna nas universidades de Torino-Turín, de Viterbo y, actualmente en la Universidad Ca'Foscari de Venecia, así como codirector de investigaciones en el programa de Doctorado en estudios sobre "Europa el Mundo Mediterráneo y su Difusión Atlántica" en la Universidad Pablo de Olavide en Sevilla, España. No Brasil ficou famoso com a obra Herança Imaterial: Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII, publicada pela Editora Civilização Brasileira, em 2000.
Fim do verbete
Segundo Levi, não é por acaso que o debate sobre micro-história não tem sido baseado em textos ou manifestos teóricos. A micro-história é essencialmente uma prática historiográfica em que suas referências teóricas são variadas e, em certo sentido, ecléticas. O método está de fato relacionado em primeiro lugar, e antes de tudo, aos procedimentos reais detalhados que constituem o trabalho do historiador, e assim, a micro-história não pode ser definida em relação as microdimensões de seu objeto de estudo. A micro-história, como todo o trabalho experimental, não tem um corpo de ortodoxia estabelecida para dele se servir. A ampla diversidade de material produzido demonstra claramente o quanto é limitada à variedade de elementos comuns. Entretanto são estes poucos elementos que fornecem um estatuto epistemológico a esta prática historiadora. Dentre estes se destacam os pontos abaixo:
a)      Sobre a questão da escala na construção do objeto.
”A micro-história como uma prática é essencialmente baseada na redução da escala de observação, em uma análise microscópica e em um estudo intensivo do material documental. Essa definição já suscita ambigüidades: não é simplesmente uma questão de chamar atenção para as causas e os efeitos do fato, de dimensões diferentes coexistirem em cada sistema social; em outras palavras, o problema de descrever vastas estruturas sociais complexas, sem perder a visão da escala do espaço social de cada indivíduo e a partir daí, do povo e de sua situação na vida” (Levi, 1992, p.136-137) A noção de escala vem sendo trabalhada amplamente pela antropologia como a forma de dimensionar a rede de inter-relações do objeto de estudos, sendo capaz de dar conta das diferentes inter-relações que esta rede tece. No caso da micro-história a redução da escala “é um procedimento analítico, que pode ser aplicado a qualquer lugar, independentemente das dimensões do objeto estudado”( Levi, 1992, p.137)
No entanto, a noção de escala não é um mero recurso metodológico, “sua existência na realidade é aceita até por aqueles que consideram que a micro-análise só opera através do exemplo, ou seja, como um processo analítico simplificado – a seleção de um ponto específico da vida real, a partir do que se exemplificam conceitos ferais – em vez de funcionar como ponto de partida para um movimento mais amplo em direção à generalização” (Levi, 1992, p.138). O princípio epistemológico de inscrição da escala na própria dinâmica social implica na consideração de que o que está em jogo na prática da micro-história “é a decisão de reduzir a escala de observação para propósitos experimentais. O princípio unificador de toda a pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados” (Levi, 1992, p.139)
b)      A questão da racionalidade.
Sobre a questão da racionalidade dos comportamentos sociais a principal preocupação dos adeptos da micro-história é diferenciar sua concepção de cultura daquela defendida pela antropologia relativista “que limita a nossas possibilidades de conhecer a realidade, com o resultado de nos tornarmos enredados em um jogo infinito de interpretar as interpretações” (Levi, 1992, p.148).
Boa parte dos historiadores que passaram a se dedicar à micro-história, a partir dos anos 1970 e 1980, o fizeram como uma forma de encontrar uma alternativa para a crise da noção de progresso que se generalizava no campo das ciências humanas, notadamente de influência marxista. Portanto, os historiadores que aderiram à micro-história em geram tinham suas raízes no marxismo, em uma orientação política para a esquerda e em um secularismo radical com pouca inclinação para a metafísica. Para eles a pesquisa histórica não é uma atividade puramente retórica e estética. Seu trabalho tem sempre se centralizado na busca de uma descrição mais realista do comportamento humano, empregando um modelo de ação e conflito do comportamento do homem no mundo que reconhece sua – relativa – liberdade além, mas não fora, das limitações dos sistemas normativos prescritivos e opressivos. Assim, toda ação social é vista como o resultado de uma constante negociação, manipulação, escolhas e decisões do indivíduo, diante de uma realidade normativa que, embora difusa, não obstante oferece muitas possibilidades de interpretações e liberdades pessoais. A questão é, portanto, como definir as margens da liberdade garantida a um indivíduo pelas brechas e contradições dos sistemas normativos que o governam. Neste tipo de investigação, o historiador não está simplesmente preocupado com a interpretação dos significados, mas antes em definir as ambigüidades do mundo simbólico, a pluralidade das possíveis interpretações desse mundo e a luta que ocorre em torno dos recursos simbólicos e também dos recursos materiais. Portanto, como princípios norteadores da prática da micro-história estão a refutação contra o relativismo, o irracionalismo e a redução do trabalho dos historiadores a uma atividade puramente retórica que interprete os textos e não os próprios acontecimentos (Levi, 1992, p.135-136).
Daí a importância radical da abordagem histórica na compreensão da cultura como processos sociais de produção de sentido: “tanto a quantidade de informação necessária para se organizar e definir a cultura, quanto à quantidade de informação necessária à ação, são historicamente mutáveis e socialmente variáveis. É esse, portanto o problema que necessita ser enfrentado, uma vez que o arcabouço das estruturas públicas, simbólicas, é uma abstração. Pois, no contexto de condições sociais diferentes, essas estruturas simbólicas produzem uma multiplicidade de representações fragmentadas e diferenciadas: e serão essas o objeto de estudo da micro-história”( Levi, 1992, p.149)
c)       Valorização do específico como possibilidade de abordar a complexidade das realidades sociais.
A ação específica de um indivíduo deve ser abordada dentro pluralidade de formas de racionalidade limitada que atua na realidade particular em observação. Nesse sentido, embora os costumes e o suo dos símbolos sejam sempre polissêmicos, não obstante eles assumem conotações mais precisas a partir das diferenciações sociais variáveis e dinâmicas. Os indivíduos constantemente criam suas próprias identidades, e os próprios grupos e definem de acordo com os conflitos e solidariedades que, contudo não podem ser presumidos a priori, mas resultam das dinâmicas que são o objeto de análise.
O problema é mais aquele de como podemos elaborar um paradigma que dependa do conhecimento particular, embora não rejeitando a descrição formal e o conhecimento cientifico do próprio particular(Levi, 1992, p.158).
d)      Narrativa e recepção – o ato comunicativo em história
O retorno da narrativa não deve ser concebido como a oposição entre a escolha de uma história qualitativa, individualizada, e uma outra, quantitativa, cuja ambição é estabelecer leis, regularidades e comportamento coletivo formal. Tal problemática foi colocada pela micro-história em termos  do problema da comunicação em história, ou seja o problema da recepção dos textos históricos. Nestes termos a função da narrativa pode ser resumida em duas características: 1ª. A capacidade da narrativa em promover articulações entre o específico e o geral; 2ª. A narrativa possibilita ao leitor acompanhar o processo de construção do conhecimento ficando evidente os mecanismos de elaboração do argumento histórico.
e)      Conhecimento baseado em indícios e a elaboração da noção de contexto social
A abordagem da micro-história coloca em questão o problema de como temos acesso ao conhecimento do passado, através de vários indícios, sintomas e sinais. Todos estes elementos interpretados a luz de seu contexto específico. No entanto, a problemática do contexto deve ser encarada como algo fundamental para a construção do objeto de análise.
Três modelos de abordagem contextual e a resposta da micro-história.
1.       Abordagem funcionalista: focalizar o contexto para explicar o comportamento social. Para o funcionalismo, não são tanto as próprias causas do comportamento que constituem  os objetos de análise, mas antes a normalização de uma forma de comportamento em um sistema coerente que explica aquele comportamento, suas funções e o modo como ele opera. Ao contrário, da ênfase do funcionalismo na coer6encia social, os micro-historiadores concentram-se nas contradições dos sistemas normativos e por isso na fragmentação, nas contradições e na pluralidade dos pontos de vista que tornam os sistemas fluidos e abertos. As mudanças ocorrem por meio de estratégias e escolhas minuciosas e infinitas que operam nos interstícios de sistemas normativos contraditórios (Levi, 1992, p.154-155)
2.       Abordagem contextualista: compreende o contexto cultual como o processo de se colocar uma idéia dentro dos limites prescritos pelas linguagens disponíveis. Esta teoria encara o contexto como sendo ditado pela linguagem e pelos idiomas disponíveis e utilizados por um grupo particular de pessoas em particular para organizar, por exemplo, suas lutas de poder. A perspectiva da micro-história difere, mais uma vez, porque uma importância fundamental é dada às atividades, às formas de comportamento e às instituições que proporcionam o arcabouço dentro do qual os idiomas podem ser adequadamente entendidos, e que permitem uma discussão significativa daqueles conceitos e convicções que de outra maneira permaneceriam hermeticamente fechados em si mesmos, sem uma adequada referência à sociedade – mesmo que o discurso seja conceitualizado, mais como uma ação do que como reflexão (Levi, 1992, p.156)
3.       Contexto convencional – pano de fundo: este consiste na colocação formal e comparativa de um acontecimento, uma forma de comportamento ou um conceito, em uma série de outros que são similares, embora possam estar separados no tempo e no espaço. A micro-história tem demonstrado a falibilidade e a incoerência dos contextos sociais, como convencionalmente definidos que envolvem discussões sobre abordagem qualitativa e quantitativa, abandonando os métodos de formalização associados às matemáticas tradicionais e rumando para novos horizontes de abordagem: “Ao se decidir trabalhar com um quadro diferente, mais complexo e realista, da racionalidade dos atores sociais e ao se considerar a natureza fundamentalmente entrelaçada dos fenômenos sociais, torna-se de imediato necessário desenvolver e utilizar novos instrumentos formais de abstração. O campo permanece bem aberto para a exploração dos historiadores (Levi, 1992, p.159)”
Na aula de hoje tratamos das dimensões da História hoje, buscando avaliar como seus campos e canteiros se configuraram ao longo do século XX. Das batalhas contra a história dos eventos e das batalhas, rumo a uma História do conjunto das relações sociais,  finalmente chegando ao problemas de uma história segmentada em temas e objetos específicos, a trajetória historiográfica do século XX configurou-se muito menos numa linha reta do que propriamente tramas paralelas.
No Brasil, a influência internacional sempre cumpriu um papel determinante, primeiramente, na formação dos quadros universitários no âmbito da pós-graduação, numa época em que somente a USP oferecia esta possibilidade. Com a gradual abertura política e do retorno dos intelectuais exilados durante a ditadura civil militar com a Anistia do final dos anos 1970, os programas de pós-graduação no Brasil começaram a ganhar autonomia. Ao longo dos anos 1980, com os primeiros frutos da pós-graduação, e com a inserção da historiografia brasileira nos debates internacionais, o quadro mudou significativamente, com destaque para sua participação nos debates sobre a renovação   da historiografia da escravidão moderna e  nos debates sobre história oral.
Boxe de atenção
As biografias dos autores citados foram na sua maioria encontradas no site da Wikipédia. É importante ressaltar que esse site é aberto e atua como um hipertexto, no qual cada pesquisador se torna um autor. O fundamental na utilização deste tipo de recurso é estabelecer alguns parâmetros de certificação, que tem a ver com dois pontos fundamentais: coerência de informação com um quadro mais amplo de referencia bibliográfica e limites de informação utilizada (não se limitar somente a esse site).
Fim do boxe de atenção
Resumo:
A abertura da História a novos campos de pesquisa e atividades de publicação representa a consolidação do princípio de interdisciplinaridade e a valorização do conhecimento acadêmico.
Essa abertura, não se fez sem debates em torno do caráter científico da história e dos limites institucionais entre as várias disciplinas, na busca da legitimação de seus objetos de estudo.
A institucionalização de novas dimensões da História nos cursos de graduação se dá de diferentes formas, mas em geral, pela valorização das principais linhas historiográficas que definem a pesquisa histórica hoje, dentre as quais: história econômico-social, história política e história cultural.
Pode-se estabelecer tendências internacionais que predominaram no cenário historiográfico mundial ao longo do século XX, dentre estas destacam-se: Escola dos Annales, Marxismo Britânico, Escola de Frankfurt, Nova História Cultural e a Micro-história.
Bibliografia.
Braudel, Fernand. “Unidade e Diversidade das ciências do Homem”, IN: História e Ciências Sociais, Lisboa: Ed. Estampa, 1986.
Duby, Geroges. Les societés médievales. Une aproche d'ensemble. Annales. E.S.C. janeiro-fevereiro de 1971, pp. 1-13.
Boutier, J & Julia, Dominique. Em que pensam os historiadores? In: Boutier & Julia (0rgs.) Passados Recompostos: Campos e canteiros da História, Rio de Janeiro Editora UFRJ/Editora FGV, 1998 pp.21-61
Francisco Falcon, A identidade do Historiador, Estudos Históricos, 17, 1996, pp.8-9)
Levi, Giovani. “Sobre Micro-história”, IN: Burke, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas, São Paulo: Editora UNESP, 1992. pp.133-161.
Carlo Ginzburg, O Fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Revel, Jacques. Jogos de escala: a experiência de microanálise. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas Editora, 1998.
Dosse, François, A história em migalhas: dos Annales a Nova História, SP, Ed. Ensaio/Unicamp, 1992
Sites na Internet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário