sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Aula 6. História Social e História Econômico-social


UFF/CEG/ICHF

Métodos e Técnicas de Pesquisa em História.
Profª.: Ana Maria Mauad.
Aula 6.
História Social e História Econômico-social
META DA AULA
Nesta aula, vamos identificar as características da História Social e da História econômico social.
OBJETIVOS
Após o estudo do conteúdo desta aula, você deverá ser  capaz de:
1. Reconhecer  o significado de história social no debate historiográfico do século XX.
2. Diferenciar as noções de história econômica e de história econômico-social
3. Identificar os princípios que orientam a chamada “história que vem de baixo”.
Introdução:
“História das civilizações”, “História das sociedades”, “História geral”, entre outras adjetivações e complementos, são expressões que podemos encontrar nos títulos dos livros didáticos do Ensino Médio aqui no Brasil. Essas denominações estão associadas a uma perspectiva de História que busca dar visão mais ampla e articulada dos diferentes níveis sociais, acompanhada de uma ordem cronológica.
Entretanto, tal perspectiva nem sempre é bem-sucedida, pois a exposição cronológica dos processos sociais acaba ficando tributária de uma das lógicas de organização social, ora política, numa história dos eventos, ora econômica, numa história dos sistemas ou modos de produção.
As novas abordagens que vêm sendo adotadas na virada do milênio e os novos objetos que a historiografia atual aborda pouco freqüentam o âmbito da história ensinada nos níveis do Ensino Fundamental e Médio.
Talvez, um primeiro passo para uma aproximação mais eficiente entre os níveis de produção do saber histórico seja o de refletir sobre a possibilidade de uma história social que articule as diferentes dimensões da experiência social. Para tanto, o importante é compreender o significado atual dessa perspectiva e seus conceitos centrais.
Nossa aula tem como objetivo apresentar a trajetória do campo historiográfico da História social, e, na seqüência, discutir a sua relação com a História Econômica, para então avaliar as novas perspectivas e abordagens dentro do campo.
1. Da História Social à História das sociedades.
O título desta seção foi tomado de empréstimo de um texto clássico do historiador britânico Eric Hobsbawn, publicado, pela primeira vez, em 1970 e reeditado no livro “Sobre História”, uma coletânea de ensaios do mesmo autor, publicada na Inglaterra em 1997 e, no Brasil, em 1998 pela editora Companhia das Letras.
O livro reúne um conjunto importante de reflexões conceituais e historiográficas de Hobsbawn e consiste numa contribuição importante para um autor que é também uma testemunha ocular da história contemporânea, já que passou dos 90 anos. Nessa obra, cada um dos ensaios é precedido de algumas considerações sobre o local de publicação e sua atualidade. O ensaio que tem o mesmo nome deste tópico possui uma única ressalva: “Muito aconteceu em história social depois desse balanço. O autor não pode fazer mais do que constatar com embaraçosa surpresa que o ensaio não continha nenhuma referência a história das mulheres. Como se sabe, esse campo mal começara a se desenvolver antes do final dos anos 1960, mas nem eu nem outro dos que contribuíram na publicação – todos homens - , parece ter-se dado conta da lacuna”.
A ressalva, ao mesmo tempo em que confirma a atualidade dos pontos de vista apresentados à época, destaca o surgimento de outros campos e canteiros da história social, como veremos mais adiante, nesta aula e nas subseqüentes Aulas 19 e 20.
Nesse ensaio, organizado em cinco partes, Hobsbawn discute o estatuto epistemológico da história social e suas transformações como campo historiográfico ao longo dos anos 1950 a 1970. Em sua abordagem, detalha as perspectivas tradicionais vinculadas ao campo e às transformações ocorridas no mesmo, em seu contato com as Ciências Sociais; rejeita, entretanto, que a história social seja uma sociologia regressiva e ainda a eficácia dos modelos de análise sincrônica na pesquisa histórica, justamente por não darem conta de uma teoria da transformação e da mudança social no tempo, ou seja, na sua dimensão diacrônica. Por fim, avalia a história social como história das sociedades, apontando-lhe os limites de possibilidades. Acompanhemos as principais colocações do autor.
Hobsbawn aponta que a expressão ‘história social’, ao longo do século XX, esteve associada a três acepções, por vezes superpostas:
“Primeiro, referia-se à história das classes pobres ou inferiores e, mais especificamente, à história de seus movimentos (‘movimentos sociais’). O termo poderia ser até mais especializado, referindo-se, essencialmente, à história do trabalho e das idéias e organizações socialistas. Por razões óbvias, esse vínculo entre história social e história do protesto social permaneceu forte. [...]
Em segundo lugar, o termo era empregado em referência a trabalhos sobre uma diversidade de atividades humanas de difícil classificação, exceto em termos como ‘usos, costumes, vida cotidiana’ [...] Constituía a base tácita do que se pode chamar visão residual da história social, uma espécie de ‘história com a política deixada de fora. Não é preciso nenhum comentário.
O terceiro significado do termo era certamente o mais comum e, para o nosso objetivo, o mais pertinente: ‘social’ era empregado em combinação com ‘história econômica’ [...] Deve-se admitir que a metade econômica dessa combinação era visivelmente preponderante” (Hobsbawm, 1997, p.84)
A associação entre história social e econômica se fez em compasso com a renovação internacional da historiografia, que incluía aí, além dos historiadores marxistas britânicos, o movimento do Annales. Tal associação objetivava a elaboração de uma história total das relações sociais, em oposição à tradicional história política dos eventos, tendo como pano de fundo a aproximação da História com as ciências sociais; no caso específico, com a teoria econômica. Hobsbawn justifica essa afinidade em sintonia com a sua postura teórica marxista: “É possível ir mais adiante e argumentar (com Marx)que, apesar da inseparabilidade essencial do econômico e do social na sociedade humana, a base analítica de uma investigação história da evolução das sociedades humanas deve ser o processo de produção social”  (Hobsbawm, 1997, p. 85)
Boxe de atenção
Essa posição do autor é defendida em meados dos anos 1970, quando os debates pós-estruturalistas e a crítica aos grandes modelos de explicação das sociedades humanas já eram travados dentro  das instituições acadêmicas. Assim, essa afirmação de Hobsbwan deve ser compreendida como uma tomada de posição dentro desse debate.
Em compasso à defesa da afinidade entre história e economia, encontravam-se as metodologias da história quantitativa e serial, que se utilizavam de dados massivos para a comprovação de hipóteses elaboradas em torno de problemáticas associadas à base material das sociedades, tais como: abastecimento, preços, salários, crises etc. 
Entretanto, como veremos nas Aulas 19 e 20, a proeminência do econômico sobre as demais dimensões e níveis sociais não era um consenso absoluto.
Fim do boxe de atenção
Hobsbawn esclarece que até os anos 1950, a história social não configurava como um campo acadêmico especializado; no entanto, constata-se um rápido desenvolvimento entre 1950-70, atribuído principalmente pela consolidação das ciências sociais, como campo acadêmico em termos de metodologia, estratégias de trabalho e ação social, e pela sua historicização, relacionada estreitamente às lutas pós-coloniais, como explica o autor:
“[...] é impossível deixar de ressaltar o imenso significado das revoluções e lutas de emancipação política dos países coloniais e semicoloniais. Com elas, governos, organizações internacionais e de pesquisa, e conseqüentemente, os cientistas sociais, passaram a atentar para o que são, essencialmente, problemas de transformações históricas. Eram assuntos que até então ficavam do lado de fora ou, na melhor das hipóteses, às margens da ortodoxia acadêmica nas ciências sociais, e estavam progressivamente sendo abandonadas pelos historiadores” (Hobsbawm, 1997, p. 86).
No que pese o desenvolvimento do campo, a sua autonomização é algo que sugere uma avaliação pelo próprio objeto sobre o qual se debruça: as sociedades humanas. Entretanto, nos anos 1960, como lembra Hebe Mattos no seu artigo “História Social” (1997), num ambiente de especialização e desenvolvimento de metodologias específicas para os campos da História Econômica, das Mentalidades e Demográfica, configurou-se uma História Social na França com um perfil próprio:
“Sob a égide de Ernest Labrousse se reivindica a história social como uma especialidade com problemáticas e metodologias próprias. Formulam-se, como problema central, os modos de constituição dos atores históricos coletivos, as classes, os grupos sociais, as categorias socioprofissionais e de suas relações que conformavam historicamente as estruturas sociais. As relações entre estrutura (com ênfase na análise das posições e hierarquias sociais), conjuntura e comportamento social definiram assim o campo específico a ser recortado” (Mattos, 1997, p.48).
Hobsbawn contra-argumenta, seguindo outra tendência historiográfica: a de que a história social não pode ser uma especialização, mas o horizonte no qual a perspectiva da história total, à maneira dos Annales, se configura. Esse horizonte, no entanto, não cabe numa única pesquisa; assim, o significado da dimensão social deve ser precisado através de como objetos de estudo são formulados dentro dos temas históricos, ou seja:
“É possível definir certas atividades humanas como econômicas, pelo menos para fins analíticos, e depois estudá-las historicamente. Embora isso possa ser artificial ou irreal, não é impraticável. [...] Mas os aspectos sociais ou societais da essência do homem não podem ser separados dos outros aspectos do seu ser, exceto à custa da tautologia  ou da extrema banalização. Não podem ser separados, mais que por um momento, dos modos pelos quais os homens obtêm seu sustento e seu ambiente material. Nem por um só momento podem ser separados das suas idéias, já que sua mútuas relações são expressas e formuladas em linguagem que implica conceitos no momento mesmo em que abrem a boca. E assim por diante. O historiador das idéias pode (por sua conta e risco) não dar a mínima para a economia, e o historiador econômico não dar a mínima para Shakespeare, mas o historiador social que negligencie um dos dois não irá muito longe”. (Hobsbawm, 1997, p.87)
Dito isso, Hobsbawn envereda, no seu artigo, pelas  relações entre a História e as Ciências Sociais, discutindo as vantagens da interdisciplinaridade, mas também os limites dos modelos analíticos das Ciências Sociais, para uma disciplina que tem como fundamento a mudança no tempo.
Dentro da perspectiva do autor britânico, é possível estabelecer alguns princípios para se escrever uma história social com algum nível de generalização. Tais princípios seriam: o uso da categoria tempo; a definição de sujeito social e o uso de modelos. Vejamos como cada um desses aspectos é tratado por Hobsbawn:
“(1) A história da sociedade é história; ou seja, ela tem como uma das dimensões o tempo cronológico real. Não estamos preocupados apenas com estruturas e seus mecanismos de persistência e mudança e com as possibilidades de padrões de suas transformações, mas também como o que de fato aconteceu.[....] A história da sociedade é, portanto, uma elaboração entre modelos gerais de estrutura e mudança social e o conjunto específico de fenômenos que de fato aconteceram. Isso é verdade e independe da escala geográfica ou cronológica utilizada em nossas investigações” (Hobsbawm, 1997, p. 91-92)
Esse primeiro princípio relaciona aquilo que é de específico na história e se define, muitas vezes, na experiência de um só indivíduo, como opera a micro-história ou, ainda um grupo social. Refere-se também aos aspectos conjunturais, tais como fenômenos políticos; por exemplo, uma eleição para presidente; ou fatos econômicos, como, por exemplo, a crise da bolsa de Nova York em 1929.
O que Hobsbawn defende como princípio é uma dialética entre o específico e o geral, entre o tempo curto e o tempo de longa e média duração. Além disso, ao reafirmar que o interesse da história é o que “realmente” aconteceu no passado, arrisca-se a ser associado à história tradicional do século XX; no entanto, ao associar a explicação do acontecimento a um conjunto mais complexo de causas sociais remontadas a durações temporais variadas, defende a base realista e materialista da perspectiva teórica que adota.
O segundo princípio diz respeito à forma de conceituar a categoria sujeito na história social:
“(2) A história da sociedade é, entre outras coisas, a história de unidades específicas de pessoas que vivem juntas, unidades que são definíveis em termos sociológicos.[...] A definição de uma sociedade nessa acepção suscita questões complexas, [...] isso porque, mesmo que eliminemos as confusões entre usos diferentes da palavra ‘sociedade’, enfrentamos problemas (a) porque o tamanho, complexidade e amplitude dessas unidades variam, por exemplo, em diferentes períodos históricos ou fases de desenvolvimento; (b) porque aquilo que chamamos de sociedade é simplesmente um dentre vários conjuntos de inter-relações humanas de escala e amplitude variada, nos quais as pessoas podem ser classificadas ou classificam a si mesmas, muitas vezes com simultaneidades e superposições. [...] Como definiremos essas unidades? É muito difícil dizer, embora muitos de nós resolvamos – ou contornemos – o problema escolhendo algum critério externo: territorial, étnico, político ou similar. O problema é mais do que metodológico.” (Hobsbawm, 1997, p. 92-93)
O interessante, nesse segundo princípio apresentado por Hobsbwam, é que mesmo sendo ele um autor marxista, não toma o conceito de classe como inerente
à divisão social. Assim, a delimitação das unidades de organização social caracteriza a opção teórica, segundo a qual a pesquisa se orienta.
Boxe de atenção
O problema do sujeito histórico já foi tratado, em aulas anteriores, dentro da perspectiva epistemológica. O tratamento dessa categoria, como unidade que define o conjunto social, é tema trabalhado de forma diferenciada dentre os campos da historiografia.
Assim, dentro da perspectiva da história social, destacam-se as clássicas diferenciações entre as noções de classe, numa perspectiva marxista, e estamento, dentro da abordagem weberiana.  Portanto, a história social, desde os anos 1960, tem como base para lidar com a categoria de sujeito histórico “os estudos tentando circunscrever e analisar historicamente os grupos sociais e as bases econômicas (posição) e/ou culturais (identidades) sobre as quais construíram sua individuação social” (Mattos, 1997, p.49)
Neste sentido, hoje é possível identificar, como veremos adiante, uma variedade de modalidades de história social, como, por exemplos, a história das mulheres ou a história do trabalho. Nessas modalidades, a dimensão social está articulada à maneira de relacionar  a parte (as mulheres, o trabalho etc.) com o seu todo (a sociedade humana).
Fim do boxe de atenção
O terceiro e último princípio apontado por Hobsbawn aborda a questão dos modelos de interpretação das ciências sociais, aplicados a história:
“(3) A história das sociedades exige que apliquemos, se não um modelo formalizado ou elaborado de tais estruturas, pelo menos uma ordem aproximada  de prioridades de pesquisa e uma hipótese de trabalho sobre o que constitui o nexo central ou complexo de conexões de nosso tema, ainda que, naturalmente, essas coisas impliquem um modelo. Todo historiador social, de fato, levanta tais hipóteses e sustenta tais prioridades. [...] Parte-se do ambiente material e histórico, passa-se para as forças e técnicas produtivas (entrando a demografia em algum ponto intermediário), a estrutura da economia resultante – divisão do trabalho, troca, acumulação, distribuição do excedente e assim sucessivamente – e as relações sociais daí derivadas. Essas poderiam ser seguidas pelas instituições e a imagem da sociedade e seu funcionamento, que lhes são subjacentes. A forma da estrutura social é assim estabelecida, e suas características específicas e detalhes, à medida que derivam de outras fontes, podem ser então determinadas, na maioria das vezes, por estudo comparativo. Dessa forma, a prática é operar para fora e acima do processo de produção em sua situação específica. [...]Uma vez estabelecida a estrutura, ela deverá ser vista em seu movimento histórico.” (Hobsbawm, 1997, p. 93-94)
O terceiro princípio de Hobsbawn está relacionado à elaboração de generalizações através das quais a explicação histórica possa se apoiar. Nesse sentido, Hobsbwam se alinha à defesa de uma metodologia de que a História se desenvolve segundo práticas científicas de elaboração e comprovação de hipóteses com algum nível de generalização. Sobre isso, o autor é bem claro:
“Meu objetivo, ao resumir o que acredito ser um plano de trabalho amplamente aceito pelos historiadores sociais, não é recomendá-lo, embora pessoalmente eu lhe seja favorável. É antes o contrário: sugerir que tentemos tornar explícitas as hipóteses implícitas sobre as quais trabalhamos e perguntar a nós mesmos se esse plano é, de fato, o melhor para a formulação da natureza e estrutura das sociedades e dos mecanismos de suas transformações (ou estabilizações) históricas, se outros planos de trabalho baseados em outras perguntas podem ser compatibilizados com ele, ser preferíveis a ele ou se podem simplesmente se superpor para produzir o equivalente histórico daqueles quadros de Picasso que exibem simultaneamente o rosto inteiro e o perfil.”(Hobsbawm, 1997, p. 94)
Na seqüência  do seu balanço sobre o campo da história social, destaca as áreas de atuação que mais se consolidaram dentre os anos 1950 e 1970, todas amparadas na perspectiva interdisciplinar. Hobsbawm destaca seis setores que geraram abordagens inovadoras; são eles: “Demografia e parentesco; estudos urbanos; classes e grupos sociais; história das ‘mentalidades’ ou consciência coletiva ou da ‘cultura’ na acepção dos antropólogos; transformações das sociedades (por exemplo, modernização ou industrialização; movimentos sociais e fenômenos de protestos sociais” .”(Hobsbawm, 1997, p. 95).
Desse conjunto, exclui dos dois primeiros setores, pois estes já se encontram consolidados como campo em termos de organização, metodologia e sistema de publicações há algum tempo. Os demais quatro setores se configuravam como campos abertos à institucionalização, como de fato se observou nos anos seguintes, no que pesem as variações teóricas em torno de uma lógica mais funcionalista ou mais comprometida com a mudança social.
Boxe explicativo
A escolha de nos apoiarmos no clássico texto do Hobsbawm, para apresentarmos o campo da história social, justifica-se pela sua atualidade, como pode ser constatado nas áreas apontadas anteriormente.
Entretanto, como veremos nas aulas subseqüentes, cada uma dessas áreas foi-se autonomizando com conceitos e metodologias próprias ao ponto de, hoje, um programa de Pós-Graduação em História Social poder perfeitamente ser dividido em linhas de pesquisa diversas, tais como: história econômico-social ou ainda História do Poder e da Cultura, como acontece na UFF.
Outras universidades, como a UNICAMP, optam pela História Social também, mas recortando suas linhas em torno de outros temas ou objetos, tais como a história social do trabalho ou, ainda, a história da escravidão.
Fim do Boxe explicativo
Portanto, para Hobsbwam, em 1970, a História Social ainda era uma história em construção:
“Em suma, se como historiadores da sociedade devemos ajudar produzindo – para benefício de todas as ciências sociais – modelos válidos da dinâmica sócio-histórica, teremos que estabelecer uma unidade entre nossa prática e nossa teoria, o que, nessa altura do jogo, provavelmente signifique, em primeira instância, observar o que fazemos, generalizá-lo e corrigi-lo à luz dos problemas que surgirão de nossa prática ulterior” .”(Hobsbawm, 1997, p. 94-95)
De lá para cá, já se passaram mais de 30 anos; ao longo desse período, a História Social foi sendo incorporada à própria noção de História, pois todos os seus objetos de estudo se referem a uma das dimensões do social, como veremos na seqüência dessa aula e nas Aulas 18 e 19.
Boxe explicativo
Para complementar a apresentação sobre história social, vale destacar uma proposta que vem de uma outra tradição historiográfica, mas que vem ampliando os horizontes de análise da História Social através de um campo que dela decorre, a História dos Conceitos.
No capítulo 5 do seu livro “Passado Futuro”, Koselleck (2006) discute a relação entre história social e história dos conceitos. Estabelece as premissas fundamentais para a autonomia da história dos conceitos em relação à história social; discute o uso lexical das palavras do uso conceitual dos termos, incluindo neste debate a complexidade da perspectiva temporal: sincronia/diacronia; simultaneidade-não-simultaneidade, duração e ruptura. Divide o capítulo em três partes, todas relacionadas à busca da definição do campo da história dos conceitos em relação ao campo da história social. O capítulo é organizado em três partes, a saber:
1.                  Métodos da história dos conceitos e da história social: relação crítica entre história social e história dos conceitos a partir de um exemplo, a dupla revolução. A história do uso social das palavras; lutas semânticas: a experiência e sua interpretação, princípios metodológicos; por uma definição da história dos conceitos: o método;
2.                  A história dos conceitos como disciplina da história social: premissa – ultrapassar o patamar metodológico e relacionar o campo conceitual ao social. Método: 1ª etapa – do passado para o presente e do presente para o passado, as relações entre sincronia e diacronia; 2ª etapa – relação entre tempos e especulação filosófica; primeiro princípio metodológico – isolar o conceito da experiência; reafirma a autonomia da história dos conceitos em relação à história social: as palavras transformando-se em conceitos pela experiência histórica – discute a relação entre palavras e conceitos; o conceito como campo semântico e o agenciamento do real pelo conceito  – aprofunda a discussão entre experiência e sua teorização; pelos exemplos que seguem, avaliamos que a experiência histórica se desenvolve em conceitos, e estes, por sua, vez agenciam as relações sociais e sua compreensão ( no Brasil, o caso da escravidão) ; defende uma autonomia cooperativa entre a história dos conceitos e a história social.
3.                  Teoria da história dos conceitos e teoria da história social: distingue, a partir dos princípios de geral e específico, a esfera teórica de ambos os campos; caráter abrangente e complexo dos conceitos e o movimento da historiografia; tensão entre realidade e sua conceituação.
O resumo deste capítulo serve de apoio à sua leitura.
Fim do Boxe explicativo
2. História Econômico-social
O campo da História Econômico-social que hoje organiza pesquisas em torno de temas como industrialização, modernização e processos de urbanização, bem todos aqueles relacionados à dinâmica da produção e seus desdobramentos pelo conceito de experiência social, tem a sua procedência nas duas principais tendências historiográficas do século XX: os Annales e o marxismo.
Entretanto, uma história mais econômica do que social possui uma autonomia que se legitima politicamente no papel que a economia exerce no mundo contemporâneo. Portanto, valem algumas considerações sobre a relação entre história e economia antes de entramos propriamente na exposição sobre a perspectiva clássica dos Annales e no tópico seguinte, sobre a perspectiva do marxismo britânico.
2.1 História Econômica.
A história econômica, diferentemente da economia histórica, como chamou atenção Pierre Vilar (1988):

“O propósito do economista é teórico e prospectivo; a história só lhe fornece os dados para ensaiar um modelo. A preocupação do historiador é a dos fatos: a sua pesquisa é retrospectiva e procura não ultrapassar a certeza documental; a teoria é, para ele, apenas um instrumento de sistematização[...]o economista procura relações causais no seio do econômico puro; no que respeita a qualquer fator “exógeno”, ele remete para o historiador clássico; o historiador procura, acima de tudo, através do social, as conseqüências históricas dos fatos econômicos”(Vilar,1988, p.59)
Segundo o historiador Pierre Vilar, nas abordagens da História Econômica destacam-se alguns conceitos básicos, tais como os de estrutura e conjuntura, bem como opções metodológicas definidas em torno do uso de modelos e do método quantitativo (modo de produção e análise estatística). Assim explica Vilar: “as noções de sistema e estruturas são instrumentos de análise e de interpretação que destrincham o material histórico para fazê-lo utilizável, ou ainda um vínculo sólido entre a visão empírica dos acontecimentos históricos e a análise teórica geral necessária para a compreensão de suas possíveis inter-relações”
Tais considerações remetem-nos à relação entre história e teoria econômica que, de acordo com o autor,  era atribuída a Marx. O retorno a Marx, consciente ou não, se faz através da noção de estrutura, conceito que entra em voga nos estudos de investigação econômica, a partir do século XX, notadamente a partir dos anos 1930, devido a um conjunto de movimentos históricos que marcaram de forma indefectível a análise sobre a realidade. Dentre os quais, destacam-se a transição do capitalismo de concorrência individual ao capitalismo de grandes unidades, os conflitos mundiais, a crise de 1929, o aparecimento e vitalidade das economias socialistas, problemas do ‘terceiro mundo’ e da descolonização.
A magnitude desses fenômenos tornou impossível seguir limitando a investigação econômica a algumas fórmulas puras; mostraram a importância do entorno não econômico (social, institucional, psicológico) para a compreensão mesma da economia. Buscaram-se ‘representações estruturais’ da economia global: ‘modelos’ econométricos (Tinbergen), ‘matrizes definidoras de circuitos econômicos (Leontief), ‘contabilidades nacionais”apresentadas mediante  ‘agregados’ (produção, consumo, poupança, investimentos etc).
Por outro lado, observa-se que os ‘movimentos’ da economia (ciclos) dependiam de sua estrutura, que o crescimento da economia não podia separar-se das mudanças de estrutura (Colin Clark, Rostow). Além dos marxistas (Paul Sweezy, M. Dobb, Oskar Lange, Charles Bettelheim), também alguns discípulos de Keynes destacaram os vínculos deste tipo de investigação com as indicações fundamentais de Marx.
Algumas tentativas de definição de estruturas econômicas propostas desta maneira nos orientam no sentido do que se pode chamar ‘estrutura’ em história. São quatro as aproximações possíveis para esta noção:
A) a estrutura, conjunto de características imediatamente observáveis, como as relações numéricas entre produção agrícola e industrial, etc. e, mais especialmente, os valores médios estabelecidos sobre um período de alguma duração, e considerados representativos de uma tendência profunda na economia.
B) O adjetivo estrutural, aplicado a um movimento, se reservar-se-ia aos movimentos lentos da economia.
C) A estrutura expressaria mediante um conjunto de coeficientes característicos que deram uma imagem econômica do meio estudado e determinaram as vias de suas reações a determinadas variações (ex.: coeficientes técnicos, psicológicos, institucionais etc.)
D) Finalmente, é possível assimilar a estrutura aos conjuntos de dados necessários para determinar estes coeficientes característicos.
Resumindo: pode-se considerar que uma estrutura econômica é um conjunto de relações características mantidas durante um período suficientemente longo, para que seu conhecimento permita prever os movimentos de uma economia.
Os economistas identificam dois tipos de estrutura: estática (proporções e relações que caracterizam um conjunto econômico) e dinâmica (elementos de um conjunto econômico que, durante um período determinado aparecem como relativamente estáveis em relação aos demais).
Um modo de produção é uma estrutura que expressa um tipo de realidade social total, posto que engloba relações, tanto quantitativas quanto qualitativas, que se orientam todas em uma interação contínua:
a) as regras que presidem a obtenção, pelo homem, dos produtos da natureza e a distribuição social desses produtos;
b)as regras que presidem as relações dos homens entre si, por meio de agrupações espontâneas ou institucionalizadas;
c)as justificações intelectuais ou míticas que resultam dessas relações, com diversos graus de consciência  e sistematização, os grupos que as organizam e se aproveitam dela,  impondo-se aos grupos subordinados.
O segundo conceito central da análise de história econômica é o de conjuntura. No sentido mais geral, a conjuntura é o conjunto das condições articuladas entre si que caracterizam um momento no movimento global da matéria histórica. Neste sentido, trata de todas as condições, tanto das psicológicas, políticas e sociais quanto das econômicas ou metereológicas.
Conjuntura define o momento; em história econômica, está estreitamente relacionada aos estudos das crises dos modos de produção.
Duas possibilidades para se avaliar as conjunturas econômicas:
a)movimento dos preços das mercadorias - levando-se em conta dados  da atividade econômica em conjunto: produção, intercâmbio, emprego etc.
b) modelos matemáticos para a análise estrutural, mais usados por economistas; os historiadores, menos afeito à matemática, limitam-se ao uso de estatísticas. Dependendo das variáveis em jogo na análise, pode recorrer ao uso de equações mais elaboradas.
Portanto, a história econômica configura-se, ainda hoje, como um campo cujas especificidades merecem ser consideradas. Entretanto, da mesma forma que as demais especializações da história, esta não pode se descolar do horizonte mais amplo de uma história das sociedades humanas.
2.2 História Econômico-social e os Annales.
Para atingir o objetivo de uma história das sociedades humanas, tanto a primeira quanto a segunda geração movimento dos Annales, orientaram seus trabalhos na associação entre os diferentes níveis do social, cunhando a noção de história total, uma espécie de valorização da base material, compreendida como cultura material, ao invés de  modo de produção.
A literatura sobre o assunto  concorda em apontar o historiador francês Ernest Labrousse como uma espécie de mentor da noção de história econômico-social:
“A problemática de Labrousse exerceu uma influência fundamental sobre o desenvolvimento da história econômica na França e sobre os Anais (Annales). Labrousse mostrara como comparar salários e as rendas fundiárias com as séries de preços agrícolas nos mercados urbanos (mercuriais) para analisar as flutuações da conjuntura agrícola e artesanal e suas conseqüências diferenciadas sobre as classes da sociedade rural e urbana. Seu exemplo encorajou numerosos discípulos e alunos a procurar na conjuntura econômica o fundamento das modificações da estrutura de conjuntura social. Ele dissecou o mecanismo da crise de subsistência na economia do tipo antigo (pré-industrial), um conceito que serviu igualmente de base para novas pesquisas em história demográfica” (Mendels, 1993, p.262)
Assim,  com métodos e técnicas daquilo que também ficou conhecida como história serial, a história social foi incorporando, na sua análise, aspectos da base material associados a fenômenos coletivos.
A história serial ou quantitativa configurou-se como uma influente modalidade metodológica da história social entre as décadas de 1960 e 1970. Tem como princípio o desenvolvimento de hipóteses comprováveis com dados massivos tratados por métodos quantitativos de registros provenientes de documentos em série. Com base em fontes eleitorais, fiscais, demográficas e, principalmente, cartoriais e judiciais (contratos de casamento, testamentos, inventários post-mortem e outras), explica Hebe Mattos (1997, p.49), desenvolveram-se, neste período, estudos sobre estratificação socioprofissional, estratégias matrimoniais, alianças sociais, mobilidade geográfica e social.
A história serial só se torna possível quando a sociedade entra na sua fase estatística e passa a gerar documentos  e registros de controle da ação social. Portanto, liga-se às lógicas sociais de controle por diferentes instituições, dentre as quais a Igreja e o Estado. Entretanto, o uso desse tipo de documentação, em oposição ao documento único relativo aos dignitários do Estado e aos “poderosos”, possibilitou o surgimento de questões associadas a sujeitos coletivos anônimos, seus modos de vida e de sobrevivência em situações de crise.
Assim, na colocação em perspectiva dos valores e dos números, passou a ser acrescentada a dos fatos sociais, e Pierre Chaunu celebrou o segundo nível da história serial, o da análise das sociedades. Paralelamente, o uso do computador permitiu formalizar comportamentos individuais (a delinqüência, por exemplo) ou coletivo (as greves, as emoções populares etc) e aproximar-se, por meio de contabilidades maciças, da vontade de totalidade que inspirou toda a escola francesa (Lequin, 1993, p.718).
Verbete
Pierre Chaunu – Historiador francês nascido em 1923, na região de Verdun, considerado  precursor dos métodos quantitativos aliados a uma análise dos fatos sociais. Uma das grandes figuras da historiografia francesa, é professor de História Moderna, na Sorbone, e sua principal obra foi Sevilha e o Atlântico (1504-1650), em 12 volumes.
Fim do Verbete
3. “História vista de baixo”:  o debate sobre os sujeitos da história social
Em 1966, o historiador marxista britânico E. P Thompson publicou no “The Times Literary Supplement”, o ensaio intitulado “A história vista de baixo” (2001). O título apontava para uma nova forma de compreender a História, considerando que, até então, ela só teria sido vista de cima, pelos olhos dos poderosos. Os de baixo, que passaram a estar incluídos na história, segundo o enfoque de Thompson, eram os operários, os camponeses e as “pessoas comuns” que viveram no passado.
Nesse artigo, o ponto central é compreender que a historiografia inglesa oficial, até os anos 1960, havia dado pouca importância a esse grupo social, e que somente as iniciativas fora do campo acadêmico que avançaram no debate crítico sobre os sujeitos da História Social. Na argumentação de Thompson, os estudos sobre a transição do feudalismo para o capitalismo, associados aos temas da industrialização e da organização operária e trabalho (disciplina, lazer, valores comunitários), deram uma significativa contribuição para renovação na historiografia inglesa através da inclusão de novos sujeitos históricos.
Cerca de vinte anos depois, em 1988, outro historiador marxista britânico, Eric Hobsbawm, na coletânea intitulada sugestivamente de History from below: studies in popular protest and popular ideology [A história a partir de baixo: estudos sobre protesto popular e ideologia popular], publica o ensaio: “A história de baixo para cima”.
Nesse ensaio, publicado no Brasil, na coletânea “Sobre História” (1998), Hobsbawm associa a “história que vem debaixo” à “história dos movimentos populares”, como uma forma de colocar a tradicional historiografia inglesa de ponta-cabeça. Sendo assim, os populares entram para a História pela porta do conflito e da manifestação coletiva. 
Em 1966, Thompson observou uma mudança nas preocupações mais antigas dos historiadores do trabalho com as instituições, seus líderes e a ideologia aceitos, levando a uma certa fragmentação do campo. Entretanto, Hobsbawm, incorporando as novas abordagens desse campo de estudos, diferencia a história do movimento operário com seus líderes e tendências ideológicas, plenamente definidas, da história das “pessoas comuns”. A questão, como sugere esse autor, “era que os historiadores do movimento trabalhista, marxistas ou não, estudaram não exatamente as pessoas comuns, mas as pessoas comuns que deveriam ser consideradas ancestrais do movimento; não os trabalhadores como tais, porém mais como cartistas, sindicalistas, militantes trabalhistas” (Hobsbawm, 1998, p.219)
Apesar dessa diferenciação, a história das pessoas comuns, segundo Hobsbawn, estava, por problemas de ordem técnica como, por exemplo, a ausência de registros e documentos históricos, diretamente ligada à emergência dos movimentos populares na História e às suas formas de controle: “[...] Apesar das suas origens e dificuldades iniciais, a história dos movimentos populares agora decolou. E, ao rememorar a história da gente comum, não estamos meramente tentando conferir-lhe um significado político que nem sempre teve; estamos tentando, mais genericamente , explorar uma dimensão desconhecida do passado. E isso me leva aos problemas técnicos” (Hobsbawm, 1998, p.219)
Dentre esses, podemos destacar a questão das fontes que, diferentemente da história tradicional, devem ser pensadas a partir de outra lógica de investigação. Sobre isso, Hobsbwam esclarece:
“Ora, a história dos movimentos populares difere de tais objetos e, de fato, da maioria da história tradicional, à medida que simplesmente não há um corpo material pronto a seu respeito. Uma das razões pelas quais uma grande parte da história dos movimentos populares modernos emergiu do estudo da Revolução Francesa é a de que esse grande evento da história combina duas características que raramente ocorrem juntas antes dessa data. Em primeiro lugar, sendo uma revolução de vulto, subitamente colocou em ação e trouxe ao conhecimento público enormes quantidades de gente do tipo que anteriormente atraía muito pouca atenção fora do seu circuito familiar e de vizinhança. E, em segundo lugar, ela as documentou por meio de uma vasta e laboriosa burocracia, classificando-as e arquivando-as em proveito do historiador nos arquivos nacionais e dos departamentos da França” (Hobsbawm, 1998, p.219-220)
O problema das fontes para a história dos movimentos populares nos remete para um problema que já vimos anteriormente, qual seja: os documentos não falam sozinhos; é necessário que perguntas lhes sejam feitas. Já havíamos visto que a história serial abriu a historiografia sobre a experiência passada coletiva, um campo de possibilidades de análise significativo por possibilitar o desenvolvimento de análises associadas à vida cotidiana e à cultura material de comunidades bem extensas. Deslocava-se, assim, o foco do sujeito individual para o sujeito coletivo, apoiado em padrões de conduta derivados de análises quantitativas. 
A discussão levantada por Hobsbawm em relação às fontes históricas sobre os movimentos sociais, e as análises qualitativas sobre certos eventos específicos não são descartadas. O que está em jogo é a capacidade de levantar um conjunto significativo de evidências sobre o que se quer estudar, mesmo que elas não componham uma série. Entretanto, esclarece o autor, não basta fazer perguntas criativas às fontes; é necessário que tais perguntas se apóiem em um conhecimento prévio e comprovado  sobre o objeto de estudo em questão ou, como Hobsbwam enfatiza, “simplesmente existem coisas que devemos saber sobre o passado” (Hobsbawm, 1998, p.225).
Para diferenciar o procedimento de coleta de evidências variadas sobre um mesmo objeto de estudo, da tradição metódica do século XIX, o autor britânico destaca a necessidade de apoiar a investigação num quadro teórico coerente e bem fundamentado em hipóteses de trabalho: “o historiador dos movimentos sociais não pode ser um positivista antiquado. Deve, de certo modo, saber o que está procurando e, apenas se souber, poderá reconhecer se o que descobriu se encaixa ou não em sua hipótese; e se não se encaixa, tentar conceber outro modelo” (Hobsbawm, 1998, p.225).
O que se está propondo dentro dessa perspectiva é a elaboração de uma metodologia cientificamente orientada e adequada para se recuperar os padrões de conduta e os comportamentos compartilhados por uma coletividade. Hobsbawm orienta a sua proposta em três fases: delimitação do objeto de estudo; quadro conceitual que permita operar a análise do objeto estudado; delimitação do universo de fontes associadas à  tarefa de comprovação das hipóteses levantadas (Hobsbawm, 1998, p.228).
Esse procedimento, segundo o autor, atribui à história dos movimentos populares um caráter inovador, pois indaga sobre o passado, buscando seus porquês:
“Qual o objetivo de todos esses exercícios? Não é simplesmente descobrir o passado, mas explicá-lo, e, ao fazer isso, fornecer um elo com o presente. Em história, há uma enorme tentação de simplesmente descobrir o que até então era desconhecido e de aproveitar o que descobrimos. E, uma vez que tão grande parte das vidas e, ainda mais, dos pensamentos das pessoas comuns esteve totalmente desconhecida, essa tentação é ainda maior na história dos movimentos populares, tanto mais porque muitos de nós nos identificamos com os homens e mulheres desconhecidos – as mulheres mais desconhecidas ainda – do passado. Não desejo desencorajar isso. Mas a curiosidade, sensibilidade e prazeres do antiquarismo não bastam. A melhor história dos movimentos populares constitui uma leitura maravilhosa, mas isso é tudo. O que desejamos saber é por quê, bem como o quê. Descobrir que, no século XVII, nas aldeias puritanas em Somerset ou nos sindicatos vitorianos de assistência ao pobres em Wilthshire, as garotas com filhos ilegítimos não eram tratadas como pecadoras ou como ‘indignas’, se tivessem motivos para acreditarem que o pai da criança tencionava se casar com elas, é interessante e fornece matéria para a reflexão. Mas o que realmente queremos saber é por que tais crenças  eram mantidas, como se encaixavam no restante do sistema de valores dessas comunidades (ou da sociedade mais ampla da qual faziam parte) e por que mudaram ou não mudaram ou não mudaram” (Hobsbawm, 1998, p.229-230)
Na linha da historiografia inglesa, em 1991, Jim Sharpe, então professor de História da Universidade de York, na Inglaterra, publica o capítulo “A História vista de baixo”, na coletânea de ensaios organizada por Peter Burke sob o título: “A escrita da História: novas perspectivas” (1992).
No capítulo, Sharpe apresenta a trajetória do campo e faz um balanço das tendências adotadas por essa linha. Em certa medida, segue a linha de Thompson e Hobsbawm, à exceção de que não considera a Revolução Francesa o par de águas da história da gente comum, e evidencia que o alargamento cronológico dessa abordagem implica ampliar a noção de “gente comum” para além dos movimentos populares organizados. Nesse sentido, Sharpe inclui os trabalhos dos Annales sobre mentalidades e os da micro-história como uma importante contribuição para a consolidação da “história vista de baixo” como um campo de investigação com técnicas, métodos, abordagens e formas de lidar com a documentação próprias.
Além disso, ressalta que a “história vista de baixo” é um tipo distinto de história, em primeiro lugar, por servir de corretivo à tradicional história das elites; e, em segundo, porque oferece uma abordagem alternativa da vida social: “abra a possibilidade de uma síntese mais rica da compreensão histórica, de uma fusão da experiência do cotidiano das pessoas com a temática dos tipos mais tradicionais de história” (Sharpe, 1992, p.53-54).
Apesar dessa dupla possibilidade, Sharpe avisa que confinar os procedimentos históricos em caixas hermeticamente fechadas não contribui em nada para o avanço das questões em relação à história social e que toda fragmentação implica a perda da força política do que se quer explicar, como reflete o autor: “mas a importância da história vista de baixo é mais   profunda do que apenas propiciar aos historiadores uma oportunidade para mostrar que eles podem ser imaginativos e inovadores. Ela proporciona também um meio para reintegrar sua história aos grupos sociais que podem ter pensado tê-la perdido ou que nem tinham conhecimento da existência de sua história” (Sharpe, 1992, p.59).
Boxe explicativo
Em " Os Excluídos da história" (2001), a historiadora francesa Michelle Perrot vai ao encontro dos sujeitos ausentes da historiografia tradicional: os operários, mulheres e transgressores da ordem burguesa. Dessa forma, configura um conjunto polissêmico que é apresentado de forma a ganhar a dimensão de sujeitos da história. Escrito de forma direta e  numa linguagem clara e elegante, Perrot não abre mão do rigor conceitual; revelando verdadeiras lições de como se faz pesquisa, seus textos expõem o arcabouço teórico e os procedimentos da análise.
A contribuição da autora francesa complementa as abordagens desenvolvidas pela historiografia inglesa, orientando nosso olhar para uma nova categorização dos sujeitos históricos com base na análise de suas experiências cotidianas.
Fim do boxe explicativo
No Brasil, a tradição da história social não pode ser resumida em poucas linhas, pois, desde a criação da Faculdade de Ciências Humanas e Letras da USP, em 1934, e, posteriormente, na Universidade do Brasil, em 1936, a influência francesa dos Annales foi marcante. Nesse sentido, a História social como princípio de uma história total foi amplamente praticada no campo das Ciências Sociais, mais do que no da História.
Somente a partir do final da década de 1980, com os primeiros frutos dos programas de pós-graduação em História (além da USP), da abertura política consolidada e da ampliação do mercado editorial com traduções de autores emblemáticos, como o próprio Thompson (a tradução da Formação...é dessa época), que a história social foi atualizando a concepção dos sujeitos históricos ao seu universo de problemas.
Dentre essas abordagens, merece destaque a história da escravidão, a história das mulheres, a história da criança, do cotidiano e da vida privada,  história da repressão, do exílio etc. temas e objetos que se inserem no campo da História social, mas que, dependendo da configuração do objeto de estudo, das referências conceituais e do manejo da documentação, deslocam-se para os campos que lhes são contíguos, dentre os quais, o que trataremos nas aulas seguintes.
Boxe de atenção
Nesse contexto de renovação, vale destacar os trabalhos voltados para a História do Rio de Janeiro ( no período entre 1870 e 1920), basicamente produzidos como dissertações de mestrado e teses de doutorado.
O ponto em comum dessas produções era colocar no primeiro plano de suas indagações o cotidiano da gente comum, num momento de grandes transformações, nas formas de organização das relações sociais de trabalho por conta da crise da escravidão e da entrada do Brasil na ordem capitalista e burguesa.
Esse quadro mais amplo de referências históricas, antes tratado pela ótica do poder e da política, foi virado de ponta-cabeça, com a entrada em cena de trabalhadores informais, prostitutas, desempregados e malandros, em geral  moradores das áreas pobres da cidade, foco central das políticas de “regeneração” (reforma urbana e de costumes), levada adiante durante a primeira década do século XX.
Boa parte dessa renovação historiográfica pode ser acompanhada pelas publicações dos anos 1990, dentre as quais vale destacar a “Biblioteca Carioca”, organizada pelo Arquivo Geral  da Cidade do Rio de Janeiro, e a “Revista do Rio de Janeiro”(publicada pelo departamento de História da UFF, que teve somente 4 números), iniciativas precursoras de instituições públicas nos anos 1980.
Fim do Boxe de atenção
Resumo.
Ao longo do século XX, a História Social configurou-se como o principal campo historiográfico, ao incorporar, dentro das suas temáticas e metodologias, procedimentos e questões provenientes dos contatos estreitos com as Ciências Sociais, notadamente com a Sociologia e, mais tarde, com a Antropologia.
As duas principais tendências historiográficas do século XX que marcaram posição contra a história tradicional, os Annales e o Marxismo, sempre defenderam uma abordagem da história que não se limitasse somente a um dos seus níveis – definindo a história total das relações sociais como horizonte de toda a pesquisa histórica.
Os Annales enfatizaram mais a articulação entre os três níveis sociais: econômico, político e cultural e, ou; o Marxismo, a determinação, em última instância, da base material (com variações significativas de utilização desse princípio).
A história social de base francesa foi a responsável pelo desenvolvimento de análises quantitativas, a chamada história serial, cujo foco central era a organização de séries documentais que elucidassem questões relativas aos comportamentos coletivos da sociedade. Dentre os setores  mais trabalhados pela História Serial, encontravam-se a História Demográfica, a História da Agricultura, do Abastecimento etc. No entanto, os métodos quantitativos foram utilizados também para análises das mentalidades coletivas e manifestações religiosas.
A história social de base inglesa organiza-se em torno do Marxismo Britânico e teve como objetivo central o aprofundamento dos estudos sobre a formação do capitalismo. Nesse quadro mais amplo de referências, buscou ampliar a discussão sobre o sujeito histórico com a elaboração da noção de gente comum. Essa nova abordagem cunhou a expressão “a história vista debaixo”.
A história econômico-social é um desdobramento de uma História Social cuja parceria central se faz com a Economia sem, entretanto, confundir-se com uma Economia História.
No Brasil, a  História Social é um dos principais campos historiográficos, responsável pela renovação nos estudos históricos brasileiros dos anos 1980. Essa renovação se deu em compasso com as tendências internacionais, ou seja, com a valorização da história como uma prática científica.
Referências.
Koselleck, Reinhart. Futuro/passado: contribuição à semântica dos tempos históricos, Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora PUC-Rio, 2006
Lequin, Y. Social (história), verbete, IN: Burguière, Andre (org.) Dicionário de Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993.
Mattos, Hebe. “História social”, IN: Cardoso, Ciro & Vainfas, Ronaldo (orgs.) Domínios da História, Rio de Janeiro: Campus, 1997.
Mendels, P. Economia (história), verbete, IN: Burguière, Andre (org.) Dicionário de Ciências Históricas, Rio de Janeiro: Editora Imago, 1993.
Perrot, Michelle, Excluídos da História: Operários, Mulheres e Prisioneiros Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001
Sharpe, Jim. “A história vista de baixo”, IN: Burke, Peter (org.) A escrita da História: novas perspectivas, São Paulo: Editora UNESP, 1992
Thompson, E. P. “A história vista de baixo” (1966), IN: Negro, Sergio & Silva, Antonio Luigi (orgs). E.P. Thompson. As peculiaridades dos ingleses e outros ensaios, Campinas: Editora Unicamp, 2001
Vilar, P. A história Econômica, In: História e Historicidade (vários autores), Lisboa: Gradiva Publicações, 1988, p.59-66.
Vilar, P. Iniciación al vocabulario del análisis histórico, Barcelona: Crítica, 1982, pp.17-105.

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